Qui, 10 de agosto de 2023, 06:59

Pesquisadores da UFS buscam vestígios de navio escravagista do século 19
Naufrágio do brigue Camargo envolve crime de tráfico de escravos no Brasil
Ilustração do brigue Camargo, navio que naufragou no litoral brasileiro. Foto: Divulgação/Instituto AfrOrigens
Ilustração do brigue Camargo, navio que naufragou no litoral brasileiro. Foto: Divulgação/Instituto AfrOrigens

Nas águas calmas da bacia do Rio Bracuí, em Angra dos Reis, município do estado do Rio de Janeiro, pesquisadores da Universidade Federal de Sergipe (UFS) intensificaram as buscas subaquáticas por vestígios de um dos últimos navios escravagistas a atracar no Brasil.

+ Ouça aqui a versão em áudio da reportagem

O Camargo - como era chamado o brigue, navio de dois mastros - foi afundado na região no final do ano de 1852. À época, a embarcação tinha sido utilizada para transportar cerca de 500 africanos, mesmo dois anos após a publicação da Lei Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico de pessoas escravizadas ao país.

O coordenador do Laboratório de Arqueologia de Ambientes Aquáticos da UFS, professor Gilson Rambelli, é um dos pesquisadores que estão mergulhando nas águas do Bracuí desde o final de 2022. O objetivo é encontrar provas materiais sobre o naufrágio, a fim de ajudar a desvendar mistérios que ainda cercam a história do tráfico de escravos para o Brasil.

+ Descoberta da UFS coloca Sergipe no mapa mundial dos dinossauros

"O navio, para o arqueólogo, é um artefato que carrega os conhecimentos de um determinado tempo na história. Por isso, estamos procurando evidências para identificar se de fato são restos do Camargo. Isso vai possibilitar, por exemplo, a criação de sítios arqueológicos na região," ressalta Gilson Rambelli.


Gilson Rambelli é um dos pesquisadores envolvidos no projeto. Foto: Reprodução/Aventuras Produções
Gilson Rambelli é um dos pesquisadores envolvidos no projeto. Foto: Reprodução/Aventuras Produções

Há quase um ano, as buscas debaixo d’água por vestígios do Camargo são feitas por meio de um projeto do Instituto AfrOrigens, voltado ao mapeamento do tráfico transatlântico de africanos, incluindo o brigue. O instituto é presidido pelo doutor em Arqueologia pela UFS, Luís Felipe Dantas.

+ Pesquisadores da UFS investigam efeitos do uso medicinal da cannabis

"É um trabalho minucioso e muito importante para o reconhecimento da comunidade do Bracuí, porque o Camargo representa todo um processo de décadas de exploração de vidas humanas na escravidão com o massacre de povos," destaca Luís Felipe.

"Estamos fazendo uma investigação de campo mais direta através do mergulho, utilizando tecnologias, como detector de metais e sonar de varredura lateral, para tentar localizar vestígios que possam ajudar a delimitar o máximo possível a área da pesquisa," complementa.


Tecnologias oceanográficas auxiliam buscas na bacia do Bracuí. Foto: Reprodução/Aventuras Produções
Tecnologias oceanográficas auxiliam buscas na bacia do Bracuí. Foto: Reprodução/Aventuras Produções

Além das buscas no fundo do rio com o uso de tecnologias oceanográficas, a memória oral do quilombo Santa Rita do Bracuí, localizado às margens do rio Bracuí, tem auxiliado os pesquisadores a traçar o caminho do Camargo. A comunidade quilombola possui cerca de 130 famílias descendentes de escravos africanos.

"A ideia do projeto é contar toda essa história que envolve o naufrágio tanto pela pesquisa histórica de arquivos, bem como pela memória coletiva, dando visibilidade a oralidade dos quilombolas," afirma a professora de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), Martha Abreu.

Financiada pelo Slave Wrecks Project, rede americana de museus Smithsonian que rastreia naufrágios no Oceano Atlântico, a pesquisa é realizada pela UFS e UFF, em parceria com duas instituições de ensino e pesquisa dos Estados Unidos. São elas: George Washington University e Smithsonian Institution National Museum of African American History and Culture.

+ Estudo da UFS analisa contaminação por mercúrio em peixes no Rio São Francisco


Naufrágio ocorreu na região da Ilha Grande, em Angra dos Reis. Foto: Reprodução/Aventuras Produções
Naufrágio ocorreu na região da Ilha Grande, em Angra dos Reis. Foto: Reprodução/Aventuras Produções

O Caso Camargo

O capitão norte-americano Nathaniel Gordon é um dos principais personagens do caso brigue Camargo. Isso porque ele resolveu colocar fogo e afundar a própria embarcação para ocultar provas do crime de tráfico negreiro no Brasil.

Gordon decidiu se livrar do navio após descobrir que estava sendo procurado pela patrulha naval brasileira. Antes disso, ele desembarcou cerca de 500 moçambicanos em Angra dos Reis para serem escravizados nas fazendas de café do Vale do Paraíba.

O capitão conseguiu fugir do Brasil disfarçado com roupas femininas, mas, dez anos depois do episódio, foi preso no comando de outra embarcação escravagista. Nos Estados Unidos, ele foi condenado ao enforcamento pelo crime de tráfico de africanos.

Josafá Neto

comunica@academico.ufs.br


Atualizado em: Qui, 10 de agosto de 2023, 14:49
Notícias UFS