Um em cada três casos de câncer pode ser curado quando descoberto diante dos primeiros sinais da doença, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA). No entanto, o medo e a desinformação ainda são barreiras para lidar com o diagnóstico e, consequentemente, o tratamento do problema.
No caso do câncer de mama, a desconstrução da autoimagem, com a perda do cabelo e a retirada da mama, por exemplo, costuma gerar sentimentos de tristeza, frustração, ansiedade, angústia e medo no enfrentamento à doença.
O uso da psico-oncologia, desde o diagnóstico ao tratamento do câncer, influencia na função emocional e na preservação da imagem das pacientes. Foi o que concluiu o psicólogo Roberto Gois no doutorado em Ciências da Saúde na Universidade Federal de Sergipe (UFS), sob orientação da professora Rosana Cipolotti.
O psicólogo avaliou 80 mulheres com o diagnóstico da doença, em Sergipe, antes da primeira, na quinta e na décima sexta sessão de quimioterapia. Para isso, ele comparou a evolução das pacientes que receberam os cuidados psicológicos com as que não tiveram acesso ao serviço.
Nesta entrevista ao Portal UFS, Roberto Gois explica o que é a psico-oncologia, como decidiu investigar o tema no doutorado, e quais foram os principais resultados.
Portal UFS – O que é a psico-oncologia?
Roberto Góis – Em linhas gerais, a psico-oncologia é uma vertente da psicologia que trabalha especificamente com os pacientes objetivando entender o que é que essa relação entre a subjetividade humana e o contato com a doença promove enquanto saúde mental; buscar entender quais são as respostas emocionais do paciente ou da paciente ao receber o diagnóstico de câncer.
Portal UFS - Como surgiu o seu interesse sobre o tema?
Roberto Góis – Eu sou um apaixonado pela oncologia. Desde os anos 2000, quando eu entrei na faculdade de psicologia e fui ser voluntário da Avosos, eu queria conhecer um pouco desse universo da oncologia e como ela promove impactos no paciente e na família. Então, venho estudando e me aprofundando nesse tema com os atores da enfermagem e como isso afeta a saúde mental dos enfermeiros. Eu levei isso também para o outro lado focando na relação com os pacientes. Então, eu também tenho uma relação muito próxima com a oncologia, porque sou psicólogo oncológico.
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Portal UFS – Qual foi o objetivo da sua tese de doutorado?
Roberto Góis – Nós estabelecemos um critério de elegibilidade de pacientes com câncer de mama, querendo analisar quais as respostas emocionais ao receber o diagnóstico, durante o diagnóstico e após o diagnóstico. Então, fizemos a aplicação de testes, como um rastreador de ansiedade e de estresse. Nós fizemos essa bateria de testes antes da primeira sessão de quimioterapia e analisamos a função psicológica, a sexualidade, autoimagem, ansiedade, depressão e estresse. Fizemos isso na metade do tratamento e no final do tratamento. Com isso, percebemos que quem tinha adesão ao serviço de psicologia tinha a maior funcionalidade psíquica. Entretanto, nas questões sexuais todas as mulheres foram afetadas. Um câncer é uma doença que mexe muito com mortes simbólicas.
Portal UFS – Qual foi o perfil das 80 pacientes da pesquisa?
Roberto Góis – Mulheres, entre 30 e 50 anos, casadas, com atividade laboral. A maioria tinha entre dois e três filhos. A maior parte também fez primeiro a quimioterapia para depois fazer uma cirurgia. A maioria também nunca teve acesso a um serviço de psicologia ou psico-oncologia ou psicologia clínica. Nunca tiveram contato, nunca necessitaram de um acompanhamento psiquiátrico. Nenhuma dela deixou de fazer o tratamento e, felizmente, estão vivas até hoje.
Portal UFS – Como foi possível medir as questões emocionais?
Roberto Góis – Isso, de fato, é estranho falar. Trabalhamos com parâmetros do que é e o que não é saudável. É um questionário, com base em critérios que dão porcentagens sobre as respostas relacionadas a questões de ansiedade, depressão, estresse, e etc. Vamos aplicando os testes ao longo do tratamento e criando uma linha de cuidado, tendo a possibilidade de verificar a evolução da paciente. Vale ressaltar que esses testes são validados e de uso comum. É difícil você imaginar que a psicologia pode ser mensurável, mas ela pode ser sim.
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Portal UFS – Qual foi a questão emocional mais comum entre as pacientes?
Roberto Góis – O medo foi mais comum entre as mulheres. Depois foi a frustração, insegurança, e tristeza. Para psicologia, não existe uma doença em si. Para psicologia, não existe um conceito fechado do que é o câncer. O que existe, na verdade, é uma representação que cada um constrói da doença. Então, existe a pessoa que está enfrentando o diagnóstico. Alguns teóricos falam que existe o doente, e não existe a doença. Cada pessoa vai se relacionar de uma maneira muito pessoal. Houve também redução de uma autoimagem, que se associa à redução da atividade sexual. Aquelas mulheres que ainda mantiveram um relacionamento sexual tiveram rebaixamento de prazer.
Portal UFS – Esses resultados sinalizam o quê sobre a psico-oncologia?
Roberto Góis – Eu acredito que esse trabalho faz refletir sobre a inserção do psicólogo não só nas clínicas de oncologia, mas, por exemplo, nas unidades básicas de saúde. Falta muito esse papel desse psicólogo nesses ambientes, porque existe uma quantidade enorme de pacientes que necessitam de acompanhamento, de um olhar mais sabe cuidadoso nesses ambientes na saúde primária.
Josafá Neto
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