Qui, 04 de agosto de 2022, 10:55

Pesquisa da UFS retrata surgimento do movimento homossexual em Sergipe
Estudo busca recompor histórico da luta das pessoas LGBTQIAP+ no estado
Lançamento de jornal do movimento homossexual no DCE da UFS na década de 1980. Foto: Arquivo pessoal/Wellington Andrade
Lançamento de jornal do movimento homossexual no DCE da UFS na década de 1980. Foto: Arquivo pessoal/Wellington Andrade

“O movimento homossexual em Sergipe começou na década de 70, na reunião da comunidade católica dos homosexuais. Nessas reuniões, aos sábados, sempre prestávamos atendimento a gays e transexuais que iam às reuniões católicas para não serem apedrejados.”

O relato de Wellington Gomes Andrade, fundador e ex-presidente do Grupo Dialogay de Sergipe, demarca o surgimento da organização pioneira para a formação do movimento homossexual, como era nomeada inicialmente a luta pelos direitos das pessoas LGBTQIAP+.

O período que compreende a mobilização da comunidade católica no final dos anos 70 à formação do Grupo Dialogay entre 1981-1983 foi alvo da dissertação de mestrado de Max Wesley Santos Cardoso. Ele buscou recompor o histórico do movimento no estado durante dois anos de pesquisa no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Sergipe (PROHIS-UFS), sob orientação do professor Alfredo Julien.

O trabalho, segundo Max, dedicou-se a compreender a estrutura de oportunidades culturais, sociais e políticas que permitiu a emergência do movimento, mostrando o processo de institucionalização com a formação do Dialogay. Para isso, foram resgatados discursos, ações e conexões ativas, tanto a partir da memória de Wellington Andrade, bem como das documentações da organização do Dialogay.

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“A minha pesquisa começa retratando a memória da comunidade católica homossexual e desabrocha no Dialogay, a primeira organização LGBTQIAP+ que surge em Sergipe em 1981. Porém, durante a pesquisa, foram encontrados vestígios de cartas dos anos 60, de um homem homossexual de Estância, que se comunicava com jornais administrados por gays do Rio de Janeiro e de São Paulo," pontua Cardoso.


Max Cardoso analisou memória do movimento homossexual em Sergipe. Foto: Reprodução/TV UFS
Max Cardoso analisou memória do movimento homossexual em Sergipe. Foto: Reprodução/TV UFS

No Brasil, a organização da luta é conhecida a partir de marcos históricos que ocorreram, especialmente, nos dois estados da região Sudeste. Entre eles, o lançamento do Jornal Lampião da Esquina e a formação do Grupo Somos. No entanto, Cardoso ressalta a existência de outros acontecimentos relacionados à experiências plurais e dinâmicas organizativas que ocorreram em várias regiões do país à época.

“Essas organizações homossexuais não surgem do nada, elas tem uma história. Foi nesse contexto, de encontrar essa história, que muitas vezes acabamos não conhecendo, que esse tema surgiu. Para conhecer essa história, que também é minha, do movimento LGBTQIAP+”, complementa o mestre em História pela UFS.

Comunidade católica

Max retrata a criação de um grupo católico de acolhimento para homossexuais, que atuava sem o conhecimento da igreja católica enquanto instituição, realizando atividades exclusivamente na casa de um padre, chamado Inaldo. Apesar de não ter características de um movimento homossexual no sentido clássico, a experiência foi vista como uma janela de oportunidade para a organização dos homossexuais.

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Foi a partir da rede de relações construída por Wellington Andrade na comunidade cristã que o movimento homossexual em Sergipe buscou ocupar espaço dentro do jornal Lampião da Esquina, como uma forma de fazer conexões com a sociedade e os outros grupos gays do país.

Em 1980, no Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Sergipe (DCE-UFS), Wellington, como distribuidor do tablóide em Sergipe, lançou o jornal para o público sergipano, contando com a presença da travesti e artista Suzana Vermont.


Wellington Andrade, segurando o gravador, no lançamento do Lampião da Esquina na UFS. Foto: Arquivo pessoal/Welington Andrade
Wellington Andrade, segurando o gravador, no lançamento do Lampião da Esquina na UFS. Foto: Arquivo pessoal/Welington Andrade

Dialogay

Um dos grupos homossexuais mais duradouros do Brasil existiu até 2003. Durante mais de 20 anos, liderou ações para dar visibilidade aos homossexuais e garantir direitos e liberdades civis, promovendo as primeiras ações de conscientização e prevenção durante a epidemia do vírus HIV/Aids no estado.

"Enfrentamos toda a sociedade, a igreja, a família. Nosso trabalho do Dialogay foi muito árduo. Agradeço a Deus por não terem me matado. Muitas vezes, fui chamado de madrugada para atender travestis que sofreram coisas terríveis", conta Wellington Andrade.

Documentação histórica

Parte dos documentos que o pesquisador analisou está disponível no acervo da Associação Astra Direitos Humanos e Cidadania, voltada para a luta pelos direitos das pessoas LGBTQIAP+. De acordo com a presidente da Associação, Thatiane Araújo, a Astra surgiu em 2001. Com o fim do Dialogay, a Astra herdou o acervo com todo o material histórico que pertencia ao grupo.

"A Astra não só herdou o acervo histórico do Dialogay, mas também um conjunto de atividades que a gente já fazia em conjunto. A importância disso está em todos os movimentos sociais resguardarem sua história. Ter esse registro, pra poder contar e comprovar os fatos, lutas e conquistas", pontua a presidente da Astra.

Para ler a dissertação, acesse o Repositório Institucional da UFS aqui.

Jhonny Oliveira com supervisão de Josafá Neto

comunica@academico.ufs.br


Atualizado em: Sex, 12 de agosto de 2022, 10:54

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