A partir de uma experiência pessoal que tirou a autora de seu lugar-comum e a despertou para o desejo de conhecer de onde vieram as concepções que temos sobre a infância e adolescência marginalizadas, a pesquisadora Kátia Regina Lopes Costa Freire desenvolveu o estudo “O governo da infância marginalizada em Sergipe (1927-1942)”, agora publicado pela Editora UFS.
Adaptação da tese de doutorado desenvolvida na Universidade Federal de Sergipe, o livro analisa, sob o prisma foucaultiano, como o judiciário sergipano se apropriou das exigências do Código de Menores na ausência de instituição adequada no estado, além de investigar os processos disciplinares e educativos presentes nos discursos e nas práticas desenvolvidas.
“A escolha por Foucault se deu na tentativa de compreender as relações de poder e de saber que se estabeleceram no início do século 20 e que acabam sendo a base da constituição de práticas discursivas e de atitudes voltadas para esse menor que, no termo do período, seria o 'menor delinquente', hoje chamado de 'menor em conflito com a lei'. Foucault traz uma atenção muito grande à inteligibilidade das lutas, das estratégias que são colocadas”, explica Kátia Freire.
1927-1942
Vasculhando a legislação e os jornais da época, a pesquisa se debruça sobre o período de 1927-1942 no estado de Sergipe, buscando saber como o “menor delinquente” era tratado e quais instituições os acolheram nesse período.
“Nesse período, temos um hiato. É promulgado o Código de Menores em 1927, mas, em Sergipe, só vamos ter uma instituição voltada para a ‘infância delinquente’ em 1942, que foi a Cidade de Menores.”
Permanências
A autora identifica algumas permanências históricas entre o período analisado e o atual. “Na parte de legislação, muito se avançou, temos toda uma garantia de direitos, mas ainda continuamos com práticas que segregam e excluem, na maioria, uma infância preta, pobre, marginalizada, da periferia.”
“Uma coisa que me entristeceu muito foi não ver o papel de destaque que a Educação deveria ter ali dentro”, relata sobre o período em que atuou na então Unidade Feminina (UNIFEM) do Estado de Sergipe, experiência que a levou a pesquisar este tema.
“Há todo um discurso de que não é um ambiente prisional, de que são medidas socioeducativas, mas quem conhece, de fato, sabe que, na prática, não é bem assim…”, afirma. “A educação permanece uma coisa no campo do discurso, como víamos. Há muito discurso garantindo esse direito, mas na prática esse processo de ressocialização não acontece”.
Discussões atuais
A autora acredita que essa compreensão do nosso passado lança luz sobre discussões atuais brasileiras, como a da superlotação do sistema prisional e a da redução da maioridade penal.
“Reproduzir o discurso em favor da redução é não compreender os avanços que tivemos nesse sentido. Estão tentando retomar uma visão abolida, desde o início do século 20, que punia o criminoso, e não o crime em si”, pontua.
E dispara: “A menoridade penal consiste em apenas uma das reivindicações que têm sido gritadas por meio de discursos autoritários baseados em ideais meritocráticas, preconceituosos e segregacionistas”.
Podcast
A obra “O governo da infância marginalizada em Sergipe (1927-1942)” está disponível gratuitamente para download na livraria da Editora UFS, e foi tema do quinto episódio do Podcast Sinopse, programa que apresenta os lançamentos da Editora UFS em entrevista com os autores. Ouça aqui.
A autora
Kátia Regina Lopes Costa Freire, fez a graduação em Pedagogia, e mestrado e doutorado em Educação na Universidade Federal de Sergipe. Hoje é professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), atuando no Departamento de Educação do Centro de Ensino Superior do Seridó (Ceres).
Ascom
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