O mau hálito pode ser motivado por diversos fatores, nem todos relacionados necessariamente à boca. Quando tem origem nesta, chama-se halitose intraoral, cuja principal causa é a saburra lingual, uma substância esbranquiçada que fica na superfície da língua.
Em geral, todo mundo forma essa substância durante o sono - o que justifica o “mau hálito” ao acordar -, sendo eliminada naturalmente por ações como a fala, alimentação etc. Mas às vezes pode haver uma alteração nesse processo natural, com aumento da saburra, sendo necessária uma higiene a mais na língua para remoção dessa substância.
Existem produtos específicos para efetuar essa limpeza, inclusive a própria escova dental é uma opção. Porém, esta pode gerar incômodos (como náuseas), e os outros dispositivos podem ser considerados caros para muitas famílias.
Ao perceber a situação, a pesquisadora Mônica Barbosa Leal passou a trabalhar com a ideia de um raspador de língua que fosse mais acessível. Ela ainda integrava outra universidade de Sergipe, e estudava a halitose intraoral com o professor Guilherme Macedo. Depois, ambos ingressaram na UFS, onde decidiram investir na criação de um dispositivo feito com o plástico da garrafa PET.
“A ideia inicial era de que o próprio paciente pudesse confeccionar esse dispositivo. Porém, com o desenvolvimento do trabalho vimos que não seria possível, porque, por conta da superfície desse dispositivo, poderia ser danosa para a superfície da língua. Tinha que ser um processo de confecção mais elaborado”, conta Mônica.
O dispositivo é confeccionado com a reutilização de garrafas PET, cortadas em formato adequado para limpeza e com a precaução para evitar danos à língua do paciente. O invento já tem um pedido de patente em andamento.
Bom desempenho
O estudo vinha sendo desenvolvido com a participação de alunos da graduação, por meio do Programa de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic), e teve também a contribuição de uma pesquisa de mestrado da Pós-Graduação em Odontologia, realizada por Carla Rocha São Mateus. A mestranda fez uma pesquisa clínica com pessoas não profissionais da odontologia, comparando o raspador PET com um raspador disponível no mercado - foi escolhido o modelo mais popular nas farmácias.
Ela explica que foi usado um aparelho chamado halímetro, para fazer a medição dos compostos voláteis orais ligados à halitose, antes e depois do uso de cada um dos raspadores. Carla e Mônica usaram também escalas para verificar a percepção dos pacientes durante o uso de ambos os dispositivos de limpeza lingual.
“O paciente fazia o uso tanto aqui na clínica, como ele fazia o uso durante 7 dias em casa, de cada um dos modelos, para poder justamente desenvolver essa percepção e poder responder a escala no último dia de uso”, diz.
“E aí a gente percebeu que eles têm realmente muitos dados semelhantes, a única diferença era só na facilidade de utilizar, que o paciente ainda tinha um pouquinho de preferência pelo modelo comercial, só que ao mesmo tempo a gente percebeu que era uma questão realmente de hábito - à medida que fosse utilizando, iria desenvolver a destreza para os dois modelos”, avalia a mestranda.
Efeitos adversos
As próximas etapas do estudo vão focar na avaliação dos efeitos adversos no uso dos raspadores. “Pensamos em avaliar, em estudos de longo prazo, a possibilidade de alguns efeitos adversos para raspadores de uma maneira geral, porque não temos na literatura dados que suportam possíveis efeitos adversos [causados] à superfície da língua, quer seja [pela] escova dental, quer seja [pelo] raspador comercial ou mesmo [pelo] próprio raspador que a gente está avaliando”, projeta Mônica.
Uma parte desse levantamento na literatura científica está sendo desenvolvida pela estudante da graduação em Odontologia Shalini Singh. Ela é bolsista do Pibic, mas sua contribuição está sendo por meio do TCC.
“O meu Trabalho de Conclusão de Curso seria o meu projeto de pesquisa do Pibic, só que como a gente não conseguiu dar continuidade à pesquisa, agora eu irei fazer uma revisão de literatura sobre os dispositivos para remoção da saburra lingual. Então a gente vai investigar na literatura todos os dispositivos e também verificar os efeitos adversos relatados”, conta a discente.
O Pibic de Shalini seria uma ampliação da pesquisa com pacientes, mas não foi possível por conta da pandemia do novo coronavírus, somando-se ainda a uma reforma que ocorreu no prédio do Departamento de Odontologia, local de execução do estudo.
Expectativas
A ideia da criação de um raspador para a limpeza da língua a partir de material reciclável, segundo Mônica, era tornar o produto acessível à comunidade em geral, “principalmente em um país em desenvolvimento como é o nosso, onde é difícil o acesso aos serviços de saúde, de difícil aquisição [até] mesmo de produtos de higiene”, pontua a docente.
Ela sonha inclusive com a possibilidade de que o raspador PET possa ser distribuído aos pacientes que não possam adquirir o modelo comercial. “Talvez, dentro da própria universidade - uma empresa júnior, não entendo muito disso -, mas algo que pudesse o poder público se apropriar para poder confeccionar e fornecer esses dispositivos nos casos de pacientes que houvesse indicação para seu uso”, vislumbra.
No entanto, mesmo para o desenvolvimento do estudo, Mônica ressente-se dos desafios encontrados. Ela relata, por exemplo, que durante a pandemia houve um importante aporte financeiro da universidade para a manutenção das pesquisas na instituição.
“Foi um valor de R$ 4 mil, porém, por causa da obra [no Departamento] e por causa do momento que estamos vivenciando, nós não executamos a [etapa da] pesquisa. E essa verba foi para a vigência do Pibic [2020-2021]; fizemos o levantamento dos materiais, mas como não sabíamos se a obra ia finalizar, a gente não comprou nada - e como não foi utilizada, terá que ser devolvida”, explica Mônica.
“Então a ideia é que financiamentos como esse, durante a vigência dos próximos Pibics, pudessem ser uma rotina. Seria importante, porque valores que não seriam tão altos… até metade desse valor já ajudaria bastante a comprar insumos para que a gente possa desenvolver os trabalhos de maneira mais independente”, defende a docente.
Além da parceria com o professor Guilherme Macedo, e das colaborações de Carla São Mateus no mestrado, e de Shalini Singh no Pibic, outros participantes contribuíram no estudo. Desde 2014, discentes de Odontologia participaram do Pibic colaborando na pesquisa: Joelmir da Silva Góes, Andrea Gomes Dellovo, Isabela Alves Barros, João Norberto Pereira Neto, Rafael Pereira Gois, Iandra Luah Souza Maia e Ludmilla Lorena Borges de Souza Barbosa.
Marcilio Costa
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