“Olha para o céu, tira teu chapéu pra quem fez a estrela nova que nasceu”. Os versos da canção Espacial (WEA, 1979), de Belchior, referem-se aos satélites artificiais, que se parecem com estrelas quando vistos, da Terra, a olho nu. De fato, há fenômenos que podem fazer com que “apareça” uma “nova” estrela no céu. Um deles é o “fenômeno das novas”.
Tal fenômeno é associado a explosões na superfície de estrelas do tipo anã branca, que é o tipo de estrela que o Sol se transformará. Mas ele só acontece quando a anã branca tem uma estrela companheira que esteja próxima o suficiente para que parte de sua matéria seja capturada pela anã branca - o que não é o caso do Sol.
Até recentemente, acreditava-se que toda a luz de uma nova era produzida diretamente pela queima nuclear na superfície da anã branca. De fato, a fonte primária de energia do fenômeno é a queima nuclear da matéria que vai sendo depositada sobre a superfície da anã branca. Porém, uma pesquisa recente provou que a origem da maior parte da radiação emitida durante o fenômeno é outra.
Uma equipe de pesquisadores de instituições de 17 países realizou um acompanhamento sem precedente de um fenômeno de nova com telescópios terrestres e espaciais, e apresentou a primeira evidência observacional de que choques são a causa da maior parte do brilho em novas - com isso, o estudo mostra como é produzida uma parte substancial da energia em radiação do Universo.
A pesquisa foi publicada na revista Nature Astronomy de 13 de abril - a NASA publicou reportagens sobre o estudo, escrita e em vídeo (em inglês). O trabalho foi coordenado por Elias Aydi, pesquisador da Universidade de Michigan, e o único brasileiro na equipe é o cientista Raimundo Lopes de Oliveira Filho, da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e do Observatório Nacional.
Ouça: entrevista do professor Raimundo Lopes à Radio MEC (RJ)
O brilho das ‘novas’
A anã branca sob investigação faz parte de um sistema binário chamado V906 Car, que apresentou explosões ocorridas há 13 mil anos - tempo que os fótons demoraram na viagem até serem observados em março de 2018.
Entre os vários telescópios usados pelos pesquisadores está o satélite Fermi Gamma ray Space Telescope, da Agência Espacial Americana (NASA). Observações do Fermi revelaram que houve variação intensa na emissão em raios gama de V906 Carinae, ora aumentando, ora diminuindo o brilho nesses que são os fótons mais energéticos do espectro eletromagnético. E não foi uma explosão comum: foi a nova mais brilhante em raios gama até então observada.
Por coincidência, a região da constelação de Carina onde se encontra V906 Carinae estava sendo regularmente observada em luz que é visível aos olhos humanos por um dos nanossatélites do consórcio internacional BRIght Target Explorer (BRITE). O BRITE não só acompanhou o início da explosão, como também a evolução do fenômeno com o tempo.
Segundo Raimundo Lopes de Oliveira Filho, as observações dos satélites mostraram que fases nas quais havia variação na emissão de raios gama eram acompanhadas “quase que simultaneamente por variações similares do brilho em luz visível, indicando que fótons de baixa e de alta energias foram produzidos em uma mesma região e estavam associados ao mesmo tipo de fenômeno: choque”.
De acordo com a equipe de cientistas, as descobertas apresentadas abriram um caminho não só para o avanço do entendimento de novas, como também de outras explosões estelares como supernovas e fusões de estrelas. Em conjunto, esses sistemas estão entre os maiores contribuintes para o balanço de energia em galáxias e para a produção de átomos pesados no Universo.
Astrofísica na UFS
Raimundo fez mestrado e doutorado em Astrofísica de Raios X - o primeiro, na USP, o segundo, em dupla titulação entre a USP e a Universidade de Strasbourg, na França.
“Ao longo do doutorado eu ampliei meus horizontes investigando astros que não faziam parte do projeto inicial, como outros tipos de estrelas, grupos de estrelas, restos de estrelas, e também grupos e aglomerados de galáxias”, lembra o pesquisador.
Desde 2011 é professor da UFS, onde integra o Grupo de Pesquisa em Astrofísica com outros quatro docentes do Departamento de Física. “O grupo vem contribuindo muito positivamente para a instituição, com todos os membros sendo pesquisadores ativos e participantes em projetos relevantes para a Astrofísica no Brasil e no exterior”, orgulha-se.
O docente participa de diversas colaborações científicas. “As relações vão de projetos pontuais a projetos de grande porte e de longo prazo, como três que envolvem dois telescópios na Espanha (J-PAS, J-PLUS) e um no Chile (S-PLUS)”, exemplifica.
De 2017 a 2018, o pesquisador esteve na NASA como Cientista Visitante. Ele segue contribuindo na instituição via três projetos que são desenvolvidos sob sua coordenação - além da participação em outros como colaborador.
“São essas colaborações internacionais que no momento sustentam financeiramente a minha pesquisa, como para pagamento de artigos científicos e participação em eventos. Esse suporte tem sido valioso porque estamos num momento em que se exige que as pesquisas brasileiras sejam publicadas em revistas de ponta, que são pagas, e que se estabeleça internacionalização institucional para que os programas de pós-graduação sejam bem avaliados, sendo que em geral as instituições de fomento e as universidades não oferecem suporte financeiro adequado para tais fins”, arremata o cientista.
Para saber mais
O artigo está disponível para assinantes no site da Nature Astronomy e livremente no arXiv.
Marcilio Costa
comunica@ufs.br