Qua, 08 de abril de 2020, 11:42

Presos pela primeira vez tendem a sofrer mais com depressão e outros transtornos mentais
Expectativas positivas pelo futuro, no entanto, podem ser recursos a ser trabalhados por profissionais de saúde

Até a metade de 2016, o Brasil contabilizou uma população prisional de mais de 726 mil pessoas. Sob custódia do Estado, encontram-se 689,5 mil pessoas encarceradas. O país segue ocupando o terceiro lugar de maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões) e China (1,65 milhões).

Um dos desafios na garantia de direitos humanos para esses presos e em sua ressocialização são os transtornos mentais provocados pelo próprio encarceramento. Estudos indicam que entre 10% e 15% dos reclusos apresentam transtornos mentais severos, ante 2% dos identificados na população em geral. Os indivíduos que enfrentam a prisão pela primeira vez têm sintomas depressivos e ansiosos com valores mais altos do que os observados nos detentos antigos, com níveis de moderado a grave.

Esses dados foram reunidos por Milena de Andrade Bahiano e seu orientador, André Faro, no mestrado em Psicologia da Universidade Federal de Sergipe. Eles buscaram compreender a experiência de primeira reclusão de presos novatos e suas expectativas quanto ao futuro em liberdade, além de analisar as estratégias que essas pessoas usam para enfrentar a adaptação à prisão.

Problemas na adaptação

“Durante um tempo eu trabalhei no presídio e foi de lá que surgiu o interesse de pesquisar as pessoas que estão vivendo nessa situação de primeiro aprisionamento e de entender esse processo de adaptação e suas dificuldades”, explica Milena Bahiano.


Milena de Andrade Bahiano: “A identificação precoce e a intervenção em saúde têm a possibilidade de minimizar essa situação”. (Fotos: Schirlene Reis – Ascom/UFS)
Milena de Andrade Bahiano: “A identificação precoce e a intervenção em saúde têm a possibilidade de minimizar essa situação”. (Fotos: Schirlene Reis – Ascom/UFS)

Ela percebeu que, a adaptação é difícil por conta da ruptura brusca entre a liberdade e o confinamento. “Também é devido [ao preso] estar vivenciando essa situação pela primeira vez e eles [detentos] se tornam mais suscetíveis ao acometimento de perturbações mentais comuns de natureza depressiva e ansiosa”, aponta.

André Faro adverte que é natural que o primeiro aprisionamento seja conturbado. “Em relação a sua adaptação, ele vai passar por inúmeros problemas. Ou seja, a restrição, o condicionamento de horários e todas as suas práticas serão regradas, acarretando na forma que na forma em que ele irá lidar com todo esse processo”, afirma o professor.

Milena ainda cita que espera que através das investigações da sua tese, seja conferida visibilidade à essas pessoas e, sobretudo, auxílio no reconhecimento de fatores de risco e de proteção existentes para a ocorrência de depressão.

Acompanhamento psicológico e Ressocialização

Os cuidados, atenção e a estratégia de fortalecimento prestados à saúde mental das pessoas que se encontram sob aprisionamento configuram-se, além de um direito a ser assegurado, como um fator para a prevenção do agravamento de futuros problemas emocionais.


André Faro: "A restrição, o condicionamento de horários e todas as suas práticas serão regradas, acarretando na forma que na forma em que ele irá lidar com todo esse processo".
André Faro: "A restrição, o condicionamento de horários e todas as suas práticas serão regradas, acarretando na forma que na forma em que ele irá lidar com todo esse processo".

“A identificação precoce e a intervenção em saúde têm a possibilidade de minimizar essa situação. E ao indivíduo as vantagens são inúmeras, como por exemplo favorecer reintegração social quando sair da unidade prisional”, afirma Milena, quando perguntada sobre a identificação e o tratamento precoces de sintomas e transtornos depressivos.

O processo de ressocialização promove ao encarcerado as condições de se reestruturar a fim de que, ao voltar à sociedade, não mais torne a delinquir. O professor André trata a ressocialização não só como um benefício para o encarcerado, mas para a sociedade como um todo.

“Se o processo de ressocialização ocorre de modo adequado, a sociedade é beneficiada. Pois, se a experiência dentro do presídio aumentar a probabilidade de ele cometer delitos dentro e fora do presídio, o prejuízo não é necessariamente do sujeito, mas se estende para a sociedade”, arremata.

Sofrimento e esperança

Os presos que contribuíram com o estudo revelaram que veem a detenção como um lugar difícil de se viver. “Adoecimento” e “intenso sofrimento físico e psicológico” foram conteúdos bem lembrados pelos participantes. Ainda assim, segundo a pesquisa, foi possível compreender que família, religiosidade e o desempenho de atividades laborativas no cárcere “podem se constituir como fatores protetivos significativos”.

O outro lado da vida na primeira reclusão é a expectativa que os presos têm pelo futuro. Segundo o estudo, eles “apresentaram expectativas positivas para o recomeço de suas vidas em liberdade”. Expectativas “tais como ter responsabilidade, sabedoria, fé, estar próximo da família e se sentir reinserido socialmente por meio do trabalho e dos estudos” foram citadas pelos detentos, ainda segundo as conclusões da pesquisa.

A partir dos dados levantados e da pesquisa com os condenados em primeira reclusão, Milena e seu orientador acreditam que o estudo traz dados que podem contribuir com o trabalho de profissionais e áreas afins no atendimento aos presos. “[Eles] podem identificar fatores de risco e de proteção que deem suporte na atenção e cuidados prestados à saúde física e mental do interno, bem como auxiliar na identificação de desordens mentais comuns, problemas de adaptação à vida na prisão e referentes à reinserção social do indivíduo”, conclui Milena em seu trabalho.

Para saber mais

A pesquisa citada nesta matéria pode ser encontrada no Repositório Institucional da UFS, clicando aqui.

Waldênnia Soares (bolsista)
Marcilio Costa


Atualizado em: Qua, 08 de abril de 2020, 12:15
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