De 2008 a 2016, segundo o Ministério da Saúde (MS), foram notificados 301 mil casos de hanseníase em todo Brasil, que se tornou o segundo país do mundo em número de casos da doença. Dados do mesmo órgão, publicados em 2018, mostram que os coeficientes de detecção mais altos por região geográfica ocorreram no Nordeste, Norte e Centro-oeste.
Em Sergipe, a Secretaria de Saúde do estado revelou, em 2016, que até aquele ano foram identificados 362 novos casos, em média anual. De 2018 até março de 2019, foram registrados 399 novos casos. Isso confirma que estado continua endêmico, mesmo se tratando de uma doença que possui tratamento e cura.
Ao realizar sua dissertação de mestrado no Programa de Pósgraduação em Biologia Parasitária da UFS, Rosiane Santana analisou as características de laudos da hanseníase no estado, no período entre 2007 e 2016, em três laboratórios privados e no laboratório público do Hospital Universitário da UFS.
Desigualdade
Os resultados dos estudos mostraram um panorama da hanseníase nos últimos 10 anos no estado. “Por esse tipo de diagnóstico [anatomopatológico], percebemos que os casos eram muito mais graves nos laboratórios públicos. Já nos privados, menos graves”, conta Rosiane.
O orientador da dissertação, Diego Moura, explica uma das possíveis causas disso. “Observamos que as pessoas que têm um poder aquisitivo maior, com condições de ter um plano de saúde, procuram ajuda logo e são diagnosticadas com a forma menos grave da doença. Por outro lado, as que têm um baixo poder aquisitivo dependem do SUS, ou não têm acesso a uma unidade de saúde. Por isso, só recebem atendimento quando já estão com a forma muito mais grave da doença”.
O estudo identificou, também, que a região metropolitana da grande Aracaju apresentou a maior concentração dos pacientes, com 76,3% dos laudos do HU e 73,05% nos laboratórios particulares.
“Há um predomínio de casos na região metropolitana em relação ao interior devido a questão dos aglomerados, condições de vida, muita casa próxima da outra, muita gente dentro da mesma casa”, diz Diego.
Hanseníase tem cura
Diego Moura adverte que a hanseníase é uma doença negligenciada, de país pobre ou em desenvolvimento, como a Índia e o Brasil, que possuem o maior número de casos da doença no mundo. “Isso acontece porque a pessoas de baixa renda geralmente vive em aglomerados, então é muito mais fácil o parasito ser transmitido entre essas pessoas. Em uma casa, por exemplo, que abriga 5, 6 pessoas, a transmissão é mais alta, justamente por essas pessoas viverem aglomeradas, explica.
Apesar do tratamento ser longo, a depender da forma clínica, ele funciona. Porém, ainda há um número muito grande de casos no mundo. “Nos causa surpresa por ela ser curável e ter uma prevalência tão grande no nosso país e em nosso estado. A gente vê casos de pacientes - não só doentes, mas ainda com as complicações- não tratados ou tratados tardiamente”, pontua Rosiane.
O tempo de tratamento pode varia conforme a gravidade. “Para a questão de saúde, o MS preconiza que se divida [a hanseníase] em multibacilar e paucibacilar, que é a forma mais branda da doença, com tratamento 6 a 9 meses. Já a multibacilar, por ser mais grave, a pessoa precisa de um tempo maior de tratamento,variando de 12 a 18 meses”, esclarece Diego.
Ao iniciar o tratamento, que é gratuito pelo SUS, o paciente já deixa de transmitir a doença para outras pessoas. “O tratamento é via oral, mas é obrigatório que a pessoa vá mensalmente ao posto de saúde, justamente para o profissional de saúde fazer o acompanhamento, acompanhar o processo”, alerta o docente.
Ações de prevenção
Para Rosiane, as políticas de combate a doença existem, mas não estão sendo tão eficazes como deveriam. “Existem as políticas muito bem colocadas no papel, mas não estão conseguindo chegar nas pessoas eficientemente. No caso de Sergipe, apesar de ser um estado pequeno, há muitas diferenças culturais e pobrezas”, pontua.
“Além de o Brasil ser o segundo maior do mundo [em número de casos], ele teve um decréscimo muito inferior do que teve a Índia, por exemplo. Na verdade, nosso panorama parece estar pior do que o da Índia. Se não for feita uma política pública de saúde eficiente para erradicação da doença, corremos o risco de nos tornarmos o primeiro colocado de prevalência da doença”, finaliza a pesquisadora.
Para saber mais
Parte dos dados da pesquisa foi apresentada no I Congresso do Serviço de Geriatria e XX Simpósio Anual do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da USP, em 2019, sendo premiado como melhor pôster na categoria geriatria.
A dissertação está disponível na íntegra no Repositório Institucional da UFS, clicando aqui.
Fernanda Roza (bolsista)
Marcilio Costa
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