A paralisia cerebral engloba um quadro de desordens relacionadas ao desenvolvimento dos movimentos e posturas do indivíduo, acarretando em limitações nos movimentos e alterações no comportamento, percepção, cognição e outros, além de até mesmo provocar epilepsia e gerar problemas musculoesqueléticos secundários.
No Brasil, a oferta de dados e publicações sobre a paralisia cerebral é ainda bastante escassa. Com isso, houve todo um percurso - inovador, sob muitos aspectos, mas repleto de desafios - para a execução do trabalho de Marcus Valerius da Silva Peixoto, professor do curso de Fonoaudiologia da UFS e que apresentou sua tese de doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (PPGCS).
Em sua pesquisa, ele traça a prevalência dos casos de paralisia cerebral com as regiões de Aracaju com maiores índices de vulnerabilidade, trabalhando uma série de indicadores: raça, renda, acesso à saúde, coleta de lixo, tratamento de água e esgoto, dentre outros.
A primeira etapa do projeto consistiu em um levantamento de quantos casos de paralisia estavam registrados no município. “Eu fui em todas as unidades de atenção primária à saúde do município [44, no total]. Nessas unidades, eu chamei as equipes de saúde da família, em especial os agentes comunitários da saúde, porque eles têm um território definido dos pacientes [atendidos por eles]”, explica.
“Fiz uma capacitação explicando o que era a paralisia cerebral, quais os principais cuidados que uma pessoa com paralisia cerebral precisa ter, e nesse momento eu pedia que eles me informassem se existia alguém na área deles com suspeita ou caso confirmado de paralisia cerebral, para em seguida marcar visitas domiciliares às residências dessas pessoas. Lá eu apliquei um questionário para as famílias”.
Onde estão as causas
A segunda etapa, que correu paralelamente à primeira, tratou-se da criação de um índice de vulnerabilidade, amparado por uma revisão de literatura e que foi submetido a especialistas do IBGE, bem como da Demografia e da Estatística, de forma a validá-lo e tornar sua execução possível. O diferencial, segundo Marcus, foi estabelecer esse índice para cada bairro de Aracaju, já que os indicadores existentes só trabalhavam no mínimo a nível de município.
A conciliação entre o índice e os levantamentos dos locais visitados por ele já possibilitou o surgimento de algumas respostas. “Como eu tinha ido às casas das pessoas, também fiz o geoprocessamento, ou seja, a criação de pontos geográficos e associei esses casos às áreas mais ou menos vulneráveis, que aí já foi uma terceira etapa do estudo, onde busquei mostrar que existe uma associação de espaço entre a paralisia cerebral e a vulnerabilidade de saúde. Com esse estudo a gente conseguiu provar que as áreas mais pobres do município, principalmente no extremo norte e na região do Santa Maria, são onde há maior prevalência de paralisia cerebral. Nós encontramos o que chamamos de clusters, que são aglomerados de casos de paralisia cerebral em áreas de pobreza”, afirma.
Apesar dessas conclusões obtidas, Marcus explica que o índice não pode prever quais motivos exatos justificam a prevalência dos casos de paralisia em determinadas regiões em detrimento de outras. “A gente sabe que tem uma associação entre uma coisa e outra, mas não consigo dizer com clareza qual dessas vulnerabilidades causou: se é por causa da renda, se é por questões de raça, porque falta esgoto, água, coleta de lixo. O índice é composto, ele pega todas essas variáveis e transforma numa coisa só. Mas a gente acha que vai ser um complexo de coisas, que, ao mesmo tempo, potencializam problemas de saúde durante a gestação, porque a paralisia cerebral na maioria das vezes vai ter sua causa, ou durante a gestação, ou no momento pré-natal”, coloca.
Segundo ele, ao fazer um estudo dos nascimentos, sobre as causas da paralisia identificada, foi possível chegar também a alguns outros fatores, como a asfixia do bebê durante o parto e anomalias congênitas. Já o acompanhamento pré-natal não surtiu a influência que esperava, mas ele levanta a hipótese de que a má qualidade do pré-natal ou uma assistência hospitalar defeituosa possa ter impedido as mães de terem conhecimento prévio da paralisia cerebral nos bebês.
Para Marcus, o software desenvolvido durante a tese para agregar os índices coletados já é uma grande medida para poder estimular trabalhos preventivos contra a paralisia. “Ele foi feito através de uma parceria com o Departamento de Computação [da UFS] e vai abrigar todos esses casos que eu identifiquei – foram aproximadamente 300 casos – e ver onde estão crescendo, quais são as áreas, oferecer informação à gestão pública para, naquelas regiões, trabalhar escolas que sejam inclusivas, que recebam essas crianças com paralisia, estruturar unidades de saúde com equipes especializadas para essa vigilância. É um produto técnico e está disponibilizado para as autoridades públicas poderem utilizar”, explica.
Mas, segundo ele, este não é o único esforço que pode ser feito. “Um outro ponto é a gente trabalhar as causas das causas, ou seja, interferir na pobreza. Diminuir as desigualdades, os determinantes que envolvem renda, emprego, educação, tratamento de água e esgoto, vai permitir controlar as causas da paralisia cerebral. Também é importante melhorar a assistência à saúde no pré-natal e durante o parto para assim melhorar esses indicadores”.
Para saber mais
A dissertação pode ser acessada, na íntegra, no Repositório Institucional da UFS, clicando aqui.
Vinícius Oliveira*
Marcilio Costa (jornalista supervisor)
* Estudante de Jornalismo da UFS. Esta matéria foi desenvolvida como parte das atividades de Estágio Curricular Supervisionado do curso.