Qua, 14 de agosto de 2019, 16:40

Teses e dissertações ajudam a entender o problema das chuvas na Grande Aracaju
Mestrandos e doutorandos do programa de Pós-Graduação em Geografia se debruçam sobre o tema
Dji 0050

No mês de julho, em uma única semana choveu quatro vezes o esperado para o período em Aracaju, causando alagamentos e transtornos em vários pontos da cidade. As cenas de moradores ilhados, veículos presos em ruas alagadas, a água entrando em casas e canais transbordando, dentre muitas outras, já são comuns nessa época do ano. Mas o que as explica?

Foi por conta da recorrência desses fenômenos, ano após ano na cidade, que alunos do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGEO) da UFS elaboraram seus trabalhos de conclusão de mestrado e doutorado, cada um sob uma abordagem específica. Os resultados obtidos ajudam a compreender porque a cidade e os municípios vizinhos sofrem tanto com as chuvas que caem nesse período.

Metodologias diferentes, preocupações semelhantes

Em sua dissertação, intitulada “Riscos Geomorfológicos e Hidrológicos em Aracaju”, Alizete Santos buscou fazer um mapeamento das áreas de riscos de alagamento e deslizamento na cidade e na região metropolitana. A primeira etapa foi construir uma “carta de suscetibilidade”, que consistia em identificar quais tipos de movimentos de massa causado por fatores, como alagamentos e inundações, ocorreriam em determinado ambiente, independentemente de ali haver ocupação humana ou não.

Em seguida ela criou indicadores de vulnerabilidade, que ajudariam a identificar os grupos sociais mais afetados por situações como as enchentes que assolam a cidade. A etapa final se tratou de elaborar um inventário a partir de dados oficiais que informavam as regiões com maior frequência de alagamentos. O mapeamento das áreas de riscos foi produzido a partir do cruzamento dos dados obtidos nestas três etapas.

Trabalhar com dados oficiais também fez parte da metodologia da tese de Daniel Almeida Silva, intitulada “Nos(Dos) Meandros Ambientais: A Natureza das Águas Urbanas de Aracaju”. Segundo ele, a proposta metodológica foi utilizar a chamada “fisiologia da paisagem”, que significa estudar como a sociedade interfere no espaço geográfico.


Daniel Almeida Silva cruzou dados históricos para compreender a formação do espaço urbano de Aracaju. (Foto: Ascom/UFS)
Daniel Almeida Silva cruzou dados históricos para compreender a formação do espaço urbano de Aracaju. (Foto: Ascom/UFS)

Para isso, Daniel utilizou dois recortes históricos: o primeiro, abrangendo de 1855 a 1920 e depois os dias atuais. Esse marco temporal no passado teve o propósito de estudar as chamadas Posturas, legislações instituídas em Aracaju (à época inaugurada como a nova capital de Sergipe) para regulamentar a ocupação do espaço.

“Tem uma postura de 1856 que diz que tudo que fosse produzido pelas casas, os dejetos, não poderiam ser jogados no rio até antes das 22h. Então é por isso que eu escolho esse marco temporal, porque vou buscar na história como se dá esse processo de formação do espaço urbano de Aracaju. Esses problemas decorrem do século XIX e rebatem agora no século XXI”, explica.

João Luiz Santana Brazil, por sua vez, autor da dissertação “Eventos Pluviais Extremos e Risco de Inundações na Cidade de Aracaju-SE”, trabalhou com fontes diferentes. Ele analisou 25 anos de publicações dos jornais Correio de Sergipe e Jornal da Cidade para fazer um levantamento dos chamados “eventos extremos” e riscos de inundações que eram noticiados.

“A partir disso eu cruzei dados de chuva, dados climatológicos cedidos pelo setor de meteorologia daqui de Sergipe, com dados sobre o crescimento urbano de Aracaju dados pela Secretaria de Planejamento do Estado. E aí eu cruzei esses três dados para identificar o porquê de, nesse dia de inundações, quantos milímetros de chuva se teve, e consequentemente fiz uma análise a partir do crescimento da cidade”, afirma João.


João Luiz Santana Brazil cruzou notícias de jornais sobre os “eventos extremos” relacionados às chuvas com dados climatológicos e sobre o crescimento de Aracaju. (Foto: Ascom/UFS)
João Luiz Santana Brazil cruzou notícias de jornais sobre os “eventos extremos” relacionados às chuvas com dados climatológicos e sobre o crescimento de Aracaju. (Foto: Ascom/UFS)

Por fim, Judson Augusto Oliveira Malta utilizou uma abordagem mais ligada à questão da arborização no espaço urbano em sua tese “Fitogeografia urbana e condicionantes socioambientais em Aracaju-SE”. Segundo ele, a fitogeografia é “a espacialização do verde, ou seja, como o verde é pensado, repensado e construído na cidade; como o ser humano destina os espaços de preservação e outros vai ‘territorializando’ e explorando economicamente, transformando aquele espaço natural em um espaço artificial”.

Além de um trabalho mais documental, utilizando principalmente o Plano de Arborização Urbana do município, Judson trabalhou com um drone para coletas de imagens e vídeos, de forma a identificar a correlação entre os espaços naturais e artificiais, e a partir daí também observar como as questões envolvendo a fitogeografia também estão relacionadas à distribuição de renda pelo território da cidade.

Uma cidade que nega suas águas

Todos os trabalhos têm em comum o fato de identificarem que, embora a questão das chuvas seja natural a Aracaju por conta da região onde está localizada, a segregação espacial e social afeta as classes sociais da população de formas diferentes.


Com dados do Plano de Arborização Urbana e fotos aéreas de Aracaju, Judson Augusto Oliveira Malta analisou a correlação entre os espaços naturais e artificiais. (Foto: Adilson Andrade – Ascom/UFS)
Com dados do Plano de Arborização Urbana e fotos aéreas de Aracaju, Judson Augusto Oliveira Malta analisou a correlação entre os espaços naturais e artificiais. (Foto: Adilson Andrade – Ascom/UFS)

Judson explica: “É um relevo extremamente plano, e isso faz com que tenhamos um lençol freático muito próximo do solo. Logo, quando chove temos um afloramento desse lençol freático e ele vai causar enchentes invariavelmente. Essa planície costeira de Aracaju vai ter uma predisposição às enchentes”.

Já Alizete destaca a quantidade de pontos críticos existentes na região metropolitana. “Temos um assentamento urbano sobre uma base geomorfológica suscetível, região de mangues, de lagunas e lagoas que foram aterradas e que não teve uma drenagem devidamente pensada para essa dinâmica”, aponta.

Daniel acredita que o problema é histórico e ligado à forma como a cidade foi sendo ocupada. “Aracaju é uma cidade que nega sua vocação para as águas. Não se pode atribuir os problemas de alagamento em Aracaju somente à questão ambiental ou simplesmente dizer que é o crescimento desordenado da cidade. Então eu chego à conclusão na minha tese de que a força motriz responsável por esses problemas ambientais é a especulação imobiliária da cidade, coisa que infelizmente a gente vê aumentando”, destaca.

João também enxerga uma questão histórica, onde há uma visível desigualdade entre as formas como os espaços foram sendo ocupados. “Têm-se esses espaços periféricos que se dão de forma muito mais desigual do que nas outras áreas – não tem uma adequação de área urbana, de rede de drenagem, moradias. E isso acontece em áreas de risco. A cidade de Aracaju é por toda alagada, então eu não vou dizer que tem classes que são alagadas ou não, mas a gente sabe que as áreas mais afetadas são as mais periféricas, eu fiz o mapeamento e mostrei isso”.

“Os canais fluviais que temos na cidade eram na verdade canais de rio, os braços de rio foram canalizados e viraram esgoto, etc.(...) A 13 de Julho é alagada, o Jardins, a Aruana, mas as áreas mais afetadas são as periféricas, como a zona norte. E com o descaso do governo em relação a isso é muito complicado, porque são essas pessoas quem perdem tudo todo ano”, ressalta João.

De acordo com Judson, a cidade foi estruturada tendo como orientação as áreas da Avenida Beira-Mar, onde estão concentrados os espaços turísticos e de lazer, os bairros de elite e os serviços públicos e instituições de poder, de forma que quanto mais distante se está desta via mais precária é a qualidade dos serviços e das condições existentes.


“Os canais fluviais que temos na cidade eram na verdade canais de rio, os braços de rio foram canalizados e viraram esgoto”, afirma João Santana Brazil. (Foto: Judson Augusto Oliveira Malta)
“Os canais fluviais que temos na cidade eram na verdade canais de rio, os braços de rio foram canalizados e viraram esgoto”, afirma João Santana Brazil. (Foto: Judson Augusto Oliveira Malta)

Já Daniel vê que o aterramento das diversas áreas alagáveis existentes em Aracaju para possibilitar a expansão urbana foi realizado de forma desordenada, impermeabilizando o solo e aumentando a propensão das chuvas causarem estragos. “A cidade cresce negando suas águas e em cima de aterros e mais de 150 anos depois a gente ainda não aprende”.

Necessidade de políticas urbanas

“Não existe risco zero, a gente está sempre na condição de risco. Mas para amenizar é preciso tomar um corpo de gestão de fato, é preciso ter uma equipe interdisciplinar; pensar o antes, o durante e o depois dos eventos”, respondeu Alizete, quando questionada sobre quais estratégias poderiam ser adotadas para resolver ou contornar os problemas que as torrenciais chuvas trazem à cidade.

Para Daniel, trata-se de primeiramente universalizar o acesso aos serviços de saneamento básico, já que até os bairros de elite sofrem com essa questão. Judson enxerga alguns avanços, como a criação da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e o Plano de Arborização Urbana, porém afirma que o principal agora é pôr o plano em prática.

“Uma boa arborização é fundamental para resolver os problemas das chuvas e das enchentes, porque apesar de termos uma ‘genética’ do ponto de vista natural e humano, quando você tem uma boa arborização, as árvores captando essa água do lençol freático e lançando direto na atmosfera, então você tem uma melhora das ilhas de calor, da infiltração no solo, você tem válvulas de escape para bombardear essa água através das árvores direto para a atmosfera”, aposta Judson.

João, por outro lado, enxerga a gritante falta de esforços da administração pública em prestar assistência às populações afetadas pelas chuvas ou de oferecer uma infraestrutura urbana adequada.

“A gente não teve um pensamento de cidade planejada a partir dos anos 80, e nem agora com essas áreas com desigualdades sociais maiores, onde há pessoas morando nas beiras de rios, de canais, e que quando chove as afeta, porque o rio vai tentar o espaço no qual antes existia, e as pessoas que moram ali não têm condições de morar em outros lugares. Então cadê as políticas urbanas de Aracaju para essas pessoas, para que elas sejam retiradas para um outro local mais digno? (...) Faltou planejamento urbano e hoje em dia falta política urbana para a cidade”, conclui.

Para saber mais

As pesquisas citadas nesta matéria podem ser baixadas no Repositório Institucional da UFS, nos links a seguir:

- Dissertação de Alizete Santos;
- Dissertação de João Luiz Santana Brazil;
- Tese de Daniel Almeida Silva;
- Tese de Judson Augusto Oliveira Malta.

Vinícius Oliveira*
Marcilio Costa (jornalista supervisor)
* Estudante de Jornalismo da UFS. Esta matéria foi desenvolvida como parte das atividades de Estágio Curricular Supervisionado do curso.


Atualizado em: Sex, 16 de agosto de 2019, 11:31
Notícias UFS