Qua, 31 de julho de 2019, 13:21

Os conflitos moram do outro lado da cerca; mas, também, ao lado
Ameaçados por grandes fazendeiros e empresários, quilombolas enfrentam também conflitos internos
Comunidade quilombola da Resina, em Brejo Grande, Sergipe (Foto: trabalho do autor)
Comunidade quilombola da Resina, em Brejo Grande, Sergipe (Foto: trabalho do autor)

Muito já se sabia sobre os conflitos territoriais entre os detentores de terra (empresários e fazendeiros) e os membros de desfavorecidas comunidades tradicionais. Apesar disso, ainda não haviam sido estudados os conflitos dentro desses próprios grupos, formados por marisqueiras e pescadores artesanais das comunidades quilombolas da Resina e do povoado Saramém, no município de Brejo Grande, em Sergipe.

Em uma dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema) da Universidade Federal de Sergipe (UFS), o pesquisador Gênisson Lima de Almeida verificou que tais conflitos existem e que uma de suas consequências é a ameaça ao sustento desses mesmos territórios. A retirada de recursos naturais, como o caranguejo e o peixe, de forma indevida, agrava os impactos socioambientais já causados pelos carcinicultores (criadores de camarões) e fazendeiros.


Gênisson Lima de Almeida chegou à conclusão que existem conflitos internos e externos nas comunidades quilombolas da Resina e do povoado Saramém (Fotos: Adilson Andrade)
Gênisson Lima de Almeida chegou à conclusão que existem conflitos internos e externos nas comunidades quilombolas da Resina e do povoado Saramém (Fotos: Adilson Andrade)

Esse, no entanto, está longe de ser o único problema envolvendo tais agentes sociais. “Durante todo o desenvolvimento dessa pesquisa, não consegui nenhum contato com os empresários da região. Acredito que isso se deva ao fato de terem tentado construir um resort no território do baixo [rio] São Francisco e de ainda terem conseguido desapropriar 26 famílias da Resina”, conta o pesquisador.

Ainda segundo a pesquisa, as comunidades sempre foram alvo daqueles que detêm o poder, em função do desejo da apropriação de suas terras. Por conta disso, como forma de resistir a essas investidas, os quilombolas se organizam por meio de associações, colônias e até mesmo pela união de todos que integram a comunidade pelos seus direitos. Dessa forma, isso contribui para assegurá-los no território.

Jailton de Jesus Costa, orientador da pesquisa, explicou que os resultados foram além dos esperados. “Além dos conflitos já sabidos, foi possível identificar que existe uma identidade quilombola entre os pescadores e marisqueiras, e as formas de estratégias e de resistência adotadas por eles para continuar no território extraindo os recursos naturais e se reproduzindo”, esclarece.


"Além dos conflitos de ordem ambiental e social, foi possível desvelar as potencialidades das comunidades tradicionais para além das atividades de pesca e mariscagem", conta o professor Jailton de Jesus Costa, orientador da pesquisa
"Além dos conflitos de ordem ambiental e social, foi possível desvelar as potencialidades das comunidades tradicionais para além das atividades de pesca e mariscagem", conta o professor Jailton de Jesus Costa, orientador da pesquisa

Conflitos moram ao lado

Os conflitos nas comunidades tradicionais da Resina e do Saramém podem ser divididos em internos, pelo uso da terra – quando referentes somente às marisqueiras e aos pescadores artesanais – e externos, pela apropriação, controle e uso do território – quando referentes à interação entre esses membros e os detentores de capital.

Na comunidade quilombola da Resina, os conflitos internos se dão somente entre os pescadores artesanais, que competem durante a pesca em um determinado setor do rio para o desempenho de suas atividades.

Já no povoado Saramém, além da disputa por áreas de pesca, também ocorrem conflitos entre as marisqueiras, que competem por um determinado local do manguezal para a coleta dos mariscos. A utilização da “redinha” – rede colocada nos buracos onde os caranguejos vivem, ocasionando a morte de machos e fêmeas, sem distinção – também caracteriza um conflito, uma vez que é insustentável e ameaça a proliferação da espécie.

Do outro lado da cerca

Os conflitos entre os pescadores artesanais e fazendeiros e entre os pecadores artesanais e carcinicultores – criadores de camarão –, acontecem em ambas as comunidades.

O primeiro, na Resina, ocorre mediante a delimitação de suas propriedades com cercas e arame farpado, com o objetivo de impedir o acesso a elas. Já no Saramém, acontece com a construção de muros para impedir que a água, durante a maré alta, adentre à produção de cocos, e com a contratação de vigias para fiscalizar os pescadores.

O segundo reside no fato de que os dejetos produzidos na atividade da carcinicultura são lançados no Rio São Francisco, provocando a falência de espécies de peixes.

Na Resina, ainda existem os embates entre os pescadores e os empresários, delineados pela tentativa de instalação de um resort no Rio São Francisco, substituindo os barcos dos membros da comunidade por catamarãs.

Por último, no povoado Saramém, acontecem os conflitos entre as marisqueiras e os carcinicultores, decorrentes da implantação do cultivo de camarão em áreas próximas ao ecossistema do manguezal, o qual recebe todos os resíduos gerados nessa atividade.

Saiba mais

Para saber mais sobre o trabalho, acesse o Repositório Institucional clicando aqui.

Brunna Martins (bolsista)

Marcilio Costa

comunica@ufs.br


Atualizado em: Qua, 31 de julho de 2019, 13:45
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