Ter, 07 de maio de 2019, 17:09

Cadeia produtiva da mangaba em Sergipe está ameaçada, atesta pesquisa
O estado, que já foi o maior produtor do fruto no país, perdeu a liderança para a Paraíba

“Cadê nossas mangabas? O homem cercou! E o verde do mato, o fogo queimou”. A proteção do fruto da mangabeira (Hancornia speciosa Gomes), considerada espécie símbolo de Sergipe, não é uma preocupação presente apenas nesse trecho do hino das Catadoras de Mangaba.

Nos últimos anos, a sustentabilidade de sua produção tem sido comprometida por uma série de fatores, principalmente a expansão imobiliária e de empreendimentos turísticos desordenados. Sergipe, que já foi o maior produtor do fruto, foi superado pela Paraíba (veja infográfico).

Esse cenário foi investigado por Débora Oliveira, que na sua tese de doutorado, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe (UFS), constatou que a cadeia produtiva da mangaba está ameaçada pela dinâmica das questões socioeconômicas e ambientais.


Infográfico: Giordanna Belotti - Ascom/UFS
Infográfico: Giordanna Belotti - Ascom/UFS

Um estudo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) já havia traçado, em 2017, um mapa do extrativismo da mangaba no estado. Ele mostra uma redução das áreas naturais de ocorrência de mangabeiras de 10.456 ha (29,6%), nos municípios de Barra dos Coqueiros, Estância, Indiaroba, Itaporanga d´Ajuda, Japaratuba, Japoatã, Pacatuba, Pirambu e Santa Luzia do Itanhy, no período de 2010 a 2016.

De acordo com o estudo, os desmatamentos na região do bioma Mata Atlântica trouxeram riscos a biodiversidade existente, o que foi confirmado por Débora.

“Há um forte agravante: as áreas naturais de ocorrência da mangaba, que estão localizadas no litoral sergipano, estão sendo desmatadas para expansão imobiliária e também turismo (empreendimentos hoteleiros e segunda residência), além de outros usos do solo que substituem a vegetação nativa”, conta a pesquisadora.

A sustentabilidade, porém, não é avaliada somente do ponto de vista econômico ou ambiental, há também questões culturais e territoriais. Por isso, para entender como a atual dinâmica e inter-relações do fluxo de comercialização da mangaba afetam a sustentabilidade da cadeia produtiva do fruto, Débora conversou com vários atores sociais envolvidos. Além dos extrativistas, falou com feirantes, donos de terra, proprietários de indústrias e atravessadores, para saber a opinião de todos.

As entrevistas, que envolveram seis aspectos da cadeia produtiva da mangaba, demonstraram que ela está insustentável. “Primeiro, devido ao elevado número de pontos críticos e por que, de seis aspectos avaliados, quatro estavam na Zona de Ação Urgente [estágio crítico] e dois na zona de melhoramento [abaixo da situação adequada]. Nenhum estava em uma Zona adequada - segundo a metodologia utilizada para avaliar a sustentabilidade”, explica a pesquisadora.

Outro aspecto observado é que a cadeia produtiva da mangaba em Sergipe tem as características de um Complexo Agroextrativista. Para Débora, após os resultados da pesquisa, foi possível verificar que ela deixou de ser apenas uma cadeia extrativista tradicional – que é quando a pessoa tira o fruto da floresta e vende sem beneficiá-lo – para conter elementos também de uma cadeia industrial, em que os frutos são beneficiados tanto pelos extrativistas quanto por indústrias.

“Ou seja, está no meio termo, junta aspectos da cadeia tradicional com o da cadeia industrial. Portanto, possui particularidades complexas que precisam ser analisadas caso a caso para que a sustentabilidade seja alcançada”, reforça Débora.

Visibilidade da Mangaba

A mangabeira pode ser encontrada em quase todo o país, das zonas costeiras ao cerrado. A mangaba pode ser usada na produção de sucos, bolos, biscoitos, polpas e sorvetes. Em Sergipe, de acordo com os dados do mapa elaborado pela Embrapa, as áreas naturais de mangabeiras estão situadas ao longo do litoral do estado.


Débora Oliveira: “Não é que vai acabar hoje, mas se não houver uma política de apoio e ordenamento desse tipo de atividade - tanto o extrativismo quanto o plantio do fruto - a mangabeira vai estar fadada a se esgotar ao longo do tempo” (Fotos: Adilson Andrade - Ascom/UFS)
Débora Oliveira: “Não é que vai acabar hoje, mas se não houver uma política de apoio e ordenamento desse tipo de atividade - tanto o extrativismo quanto o plantio do fruto - a mangabeira vai estar fadada a se esgotar ao longo do tempo” (Fotos: Adilson Andrade - Ascom/UFS)

A colheita do fruto, no entanto, é feita predominantemente de modo extrativista, ou seja, o fruto é retirado das árvores que nascem e crescem de forma espontânea na mata. Em Sergipe, existem algumas iniciativas isoladas de plantio da mangaba, mas a quantidade cultivada é pouco representativa na produção estadual.

Na opinião de Débora, quando o mercado começa a demandar muito um produto de origem predominantemente extrativista, o seu estoque natural pode acabar.

“O que a gente fica preocupado é que ano após ano aumenta o interesse pela mangaba. Em contrapartida, não há um entendimento da realidade atual da produção no estado – por exemplo, controle de quantidade de frutos comercializados, número de atores sociais envolvidos na cadeia produtiva e número de áreas com plantio. Enquanto isso, vai aumentando o número de empreendimentos que vão destruindo as áreas naturais de ocorrência da mangabeira”, relata.

Essa preocupação não é à toa. Sergipe, que ocupou nove vezes a primeira posição como maior produtor de mangaba do Brasil nos últimos 10 anos, tem sofrido uma queda na sua produção. Conforme o Panorama do Extrativismo Vegetal e da Silvicultura (PEVS), publicado pelo IBGE (2007-2016), em 2007 foram extraídas436 toneladas do produto, e em 2016 o número foi reduzido para 190 toneladas.

Esse número pode estar subestimado, de acordo com a pesquisa de Débora. Ela traz dados que indicam que há, pelo menos, 1.628 famílias extrativistas em Sergipe. Essas famílias colhem, segundo outra fonte analisada por ela, 100 a 220 quilos de mangabas por mês, o que superaria bastante o levantamento do PEVS – podendo superar mil ou até duas mil toneladas ao ano.

Ainda assim, embora os dados do PEVS devam ser questionados em relação aos números de Sergipe, os de outros estados podem também estar subestimados, o que demandaria estudos mais aprofundados sobre o extrativismo do fruto.

O fato é que a crescente demanda e os obstáculos enfrentados pela produção levam à insustentabilidade da cadeia produtiva.

“Não é que vai acabar hoje, mas se não houver uma política de apoio e ordenamento desse tipo de atividade - tanto o extrativismo quanto o plantio do fruto - a mangabeira vai estar fadada a se esgotar ao longo do tempo”, diz Débora.

É por isso que Laura Jane Gomes, sua orientadora, defende a proteção do fruto por meio da preservação e da conservação da mangabeira. “Preservação no sentido de ter políticas públicas que proíbam o corte das mangabeiras e deem o livre acesso das catadoras as áreas privadas”, explica.

Ela pensa a conservação em duas linhas: políticas de incentivo ao cultivo, através de linhas de crédito; e pesquisas em melhoramento genético, sob responsabilidade do governo. “Outro ponto que eu vejo dentro desse aspecto é a recuperação de áreas degradadas, incentivar que as mangabeiras sejam cultivadas também junto com outras espécies”, completa.


Para a professora Laura Jane Gomes, orientadora de Débora, é preciso criar políticas públicas que incentivem o cultivo e também a proteção das mangabeiras nativas
Para a professora Laura Jane Gomes, orientadora de Débora, é preciso criar políticas públicas que incentivem o cultivo e também a proteção das mangabeiras nativas

Quem apoia a mangaba?

“Vamos pedir ao governo uma grande solução”. Nesse outro trecho do hino das Catadoras de Mangaba, percebemos a busca por apoio, incentivo à produção e preservação da mangabeira. Débora conta que uma das maiores queixas dos extrativistas foi justamente a falta apoio do poder público.

Segundo a pesquisadora, em Sergipe não existem políticas públicas de incentivo à cadeia produtiva da mangaba, apenas ações imateriais, como o reconhecimento da mangabeira como espécie símbolo de Sergipe e as Catadoras de Mangaba como um grupo culturalmente diferenciado.

Ainda, de acordo com Débora, também não há uma Política Estadual de Florestas consolidada e discutida com os atores sociais envolvidos nas cadeias produtivas de produtos florestais de base extrativista.

Propostas

Na opinião de Débora, é essencial a construção de uma Política Estadual de Florestas, pois atualmente não há sequer um controle estadual sobre o extrativismo da mangaba no estado.

“A primeira coisa a se fazer é compreender o quanto se produz, como produz, quem produz e qual o destino final do fruto e/ou produtos. Com esses dados é possível estabelecer políticas que estimulem tanto os produtores que realizam o plantio da mangabeira quanto as comunidades que realizam o extrativismo em áreas naturais”.

É essencial, também, haver uma articulação entre os envolvidos. “Para construir uma política adequada é preciso haver participação social: chamar todos os atores envolvidos diretamente na produção (catadoras, produtores) e comercialização (feirantes, atravessadores, indústrias de sorvete e polpa) da mangaba, além de potenciais agências financiadoras e órgãos estaduais para discutir a acerca da cadeia produtiva”, argumenta.

“Não tem o certo ou o errado dentro desse contexto, todos esses atores sociais estão aí, e é preciso dialogar com eles. Por isso é preciso alguém para mediar, que no caso é o poder público – representado por órgãos estaduais e secretarias municipais ligadas à agricultura e ao meio ambiente. É necessário que esses órgãos compreendam a realidade desses atores sociais, chamando-os para apontar onde estão os pontos fracos a serem solucionados”, conclui.

Para saber mais

A tese está disponível no Repositório Institucional da UFS. Para baixá-la, clique aqui.

Fernanda Roza (bolsista)
Marcilio Costa
comunica@ufs.br


Atualizado em: Qua, 08 de maio de 2019, 17:11
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