Qua, 03 de abril de 2019, 16:49

Taxação progressiva do IPTU seria mais justo do que isenções, aponta pesquisa
Progressividade no imposto poderia trazer maior justiça fiscal e contribuir com o crescimento ordenado da cidade

Com quantas partes se faz uma cidade? O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) é um tributo que tem o objetivo de garantir as condições de vida em uma cidade. Mas cada parte dela possui características, infraestrutura e valorização diferentes. Como então calcular quem deve pagar mais, ou menos?

Atualmente, mais de um quarto dos moradores de Aracaju estão isentos do IPTU. A prefeitura da cidade apresentou na última semana um projeto de lei para aumentar essa faixa de gratuidades (veja o infográfico). A pergunta que surge, no entanto, é: isentar um alto percentual de imóveis é a melhor forma de distribuir o custeio da cidade?


Projeto de Lei apresentado à Câmara Municipal pretende ampliar isenções do IPTU
Projeto de Lei apresentado à Câmara Municipal pretende ampliar isenções do IPTU

Uma pesquisa de mestrado do Programa de Pós-Graduação de Direito (PRODIR), da Universidade Federal de Sergipe, analisou a legislação e os números do sistema de cobrança do IPTU de Aracaju e concluiu que a progressividade seria a forma mais justa de distribuir a arrecadação do tributo.

O IPTU em Aracaju

Maurício Soares de Sousa Nogueira é o autor da dissertação de mestrado que investigou o IPTU da capital sergipana. Quando ele realizou a pesquisa empírica (a parte ‘prática’ do trabalho), no primeiro semestre de 2018, verificou que havia cerca de 170 mil imóveis lançados no sistema da prefeitura.

Desses 170 mil imóveis, aproximadamente 53 mil eram isentos de cobrança, ou seja, em torno de 30%.

As regras para as isenções têm mudado ao longo do tempo. Até 2017, as principais isenções eram para os proprietários de imóveis cuja família tinha uma renda bruta de até 2 salários mínimos, para os donos de imóveis avaliados em até R$ 7,5 mil e para os servidores públicos municipais.

Em dezembro de 2017, no entanto, foi aprovada uma lei que aumentava o limite para isenção aos imóveis avaliados em até R$ 10 mil. Esta era a lei que estava em vigor quando Maurício fez sua pesquisa.

O projeto de lei apresentado na semana passada à Câmara Municipal amplia a isenção para os imóveis avaliados em até R$ 80 mil. Acrescenta, ainda, outro critério de gratuidade, que é uma combinação entre o valor do imóvel (até R$ 160 mil) e a renda familiar (de até 2 salários mínimos) – o proprietário deve atender às duas condições simultaneamente.


No início de 2018, havia cerca de 170 mil imóveis no sistema do IPTU, 53 mil deles eram isentos: aproximadamente, 31%
No início de 2018, havia cerca de 170 mil imóveis no sistema do IPTU, 53 mil deles eram isentos: aproximadamente, 31%

O que não mudou, no entanto, é a lógica do sistema de cobrança: o município isenta a parte de menor renda e cobra dos demais.

Esse critério, para Maurício, é justo em parte. “No universo geral, de pagantes e não pagantes, o imposto é justo, pois em teses isenta os mais pobres”, afirma.

Mas para o pesquisador, o sistema entre os pagantes é injusto e acaba favorecendo alguns privilégios. Ele diz que o sistema podia ser mais justo, se fossem adotadas algumas estratégias, principalmente:

  • Uma progressividade da taxa sobre o valor dos imóveis;
  • Uma progressividade ‘de tempo’ para terrenos não construídos;
  • Taxação por imóveis, não por áreas.

IPTU progressivo

Na situação atual, excluídas as isenções, o IPTU cobra dos donos dos imóveis usando alíquotas diferentes dependendo do tipo e localização da propriedade (veja o infográfico).


As alíquotas são definidas considerando o uso do imóvel e sua localização
As alíquotas são definidas considerando o uso do imóvel e sua localização

A ideia de se usar alíquotas progressivas consiste em cobrar percentuais maiores conforme aumenta o valor do imóvel. Assim, poderiam ser reduzidos a quantidade de isentos, já que parte deles teria condições de pagar taxas mais acessíveis.

“A progressividade tem a ver com a capacidade contributiva, de cobrar mais de quem tem mais e cobrar menos de quem tem menos, ou até isentar quem tem menos ainda”, resume Maurício.

A progressividade poderia funcionar também para evitar os chamados vazios urbanos, que são as grandes áreas não construídas, geralmente resultado da especulação imobiliária (os proprietários mantêm o terreno sem uso até que área seja valorizada).

“Esse imóvel teria que ser taxado progressivamente, cada vez mais, até ele cumprir sua função social, e se não cumprir até determinado momento, ele poderia ser até desapropriado - uma desapropriação em favor da função social da propriedade”, explica o pesquisador.


Maurício Soares de Sousa Nogueira: “A progressividade tem a ver com a capacidade contributiva, de cobrar mais de quem tem mais e cobrar menos de quem tem menos, ou até isentar quem tem menos ainda”
Maurício Soares de Sousa Nogueira: “A progressividade tem a ver com a capacidade contributiva, de cobrar mais de quem tem mais e cobrar menos de quem tem menos, ou até isentar quem tem menos ainda”

Função social da propriedade

A Constituição brasileira diz que propriedade deve atender à sua função social. A Lei 10.257 de 2001, conhecida como Estatuto da Cidade, também trata desse assunto.

A orientadora de Maurício Nogueira, a professora Jussara Maria Moreno Jacintho, diz que cumprir a função social é dar à propriedade o uso inerente a ela. “Se um estabelecimento comercial está abandonado, ele não cumpre sua função, que é gerar renda, gerar emprego; a de um imóvel residencial é servir de moradia, mesmo que seja através do aluguel”, exemplifica.

Mais grave do que os imóveis construídos que não cumprem sua função social são as áreas baldias. Maurício aponta que cobrar taxas progressivas de terrenos sem construção traria dois benefícios: a arrecadação e a organização da cidade.

“[A progressividade ‘no tempo’] faria a prefeitura arrecadar mais de quem tem um terreno e não cumpre a função social, que a gente chama de vazios urbanos ou terrenos não habitados, e também resolveria a questão do crescimento ordenado da cidade”, sugere.

Um exemplo é a região do bairro Santa Maria, em Aracaju. A área tem um vazio urbano significativo, fruto da especulação imobiliária, por estar próxima à valorizada Zona de Expansão (região sul da cidade, a caminho das praias).

O mesmo bairro, no entanto, é o que detém o maior número de isentos de baixa renda: 4.164 domicílios. Nesse caso, o município adota uma progressividade por região: em algumas partes da cidade se paga mais sobre propriedades não construídas do que em outras (veja infográfico sobre as alíquotas).

O problema, aponta Maurício, é que uma mesma região – o Santa Maria, por exemplo – possui, ao mesmo tempo, terrenos de moradores pobres e grandes áreas de especulação. É o que apontou o mestrando em seu trabalho.

“Tais dados demonstram que um bairro pobre em termos econômicos e periférico também pode ser alvo da especulação imobiliária, desde que não existam os mecanismos necessários para o cumprimento da função social da propriedade, como é o caso da progressividade no tempo do IPTU e da edição de um Plano Diretor atualizado”, alerta.


Jussara Maria Moreno Jacintho: “O problema dos tributos previstos no Estatuto da Cidade, e essa é a discussão por trás, é que geralmente a elite econômica resiste muito a qualquer mudança”
Jussara Maria Moreno Jacintho: “O problema dos tributos previstos no Estatuto da Cidade, e essa é a discussão por trás, é que geralmente a elite econômica resiste muito a qualquer mudança”

Por isso, Maurício sugere que a avaliação da propriedade, tanto para definir o valor do imóvel, quanto para estabelecer se cabe uma alíquota maior ou menor para um terreno, seja determinada caso a caso.

“[Diferenciar a alíquota por região] é bom, é positivo”, diz Maurício, mas o ideal, segundo ele, seria diferenciar “não levando em conta áreas específicas, mas cada imóvel, cada família individualmente”.

Para facilitar essa tarefa, explica, algumas cidades têm usado ferramentas como as avaliações da Caixa Econômica (já que muitos imóveis foram financiados) e sistemas de georreferenciamento.

Justiça fiscal

A professora Jussara Jacintho esclarece que o IPTU tem a função de fazer com que as pessoas contribuam com as condições de viver na cidade.

“Toda vez que se desenvolve um bairro, significa que o poder público vai gastar com tudo: limpando rua, organizando o trânsito... Isso é um custo, e a gente tem que bancar o custo de viver na cidade”, pontua.

“Cada vez que você bota um prédio daquele, de doze andares - são quatro apartamentos por andar, no mínimo, com cinco pessoas ali dentro, das quais três vão ter carro -, o impacto na rua, na cidade, como fica?”, completa a docente.

O problema, aponta a professora do mestrado em Direito, é que o espaço público geralmente é segregacionista. “As pessoas acham assim: ‘se eu pago IPTU mais alto aqui, necessariamente tem que reverter para o meu bairro’, e não é assim que funciona”.

A ideia é que o IPTU arrecade conforme a capacidade de contribuição dos habitantes e retorne de acordo com as necessidades de cada espaço da cidade. “Se você tem uma área mais valorizada, significa que, em tese, você tem condição de contribuir para a manutenção da cidade”, concorda Maurício.

Segundo o pesquisador e sua orientadora, os interesses das classes privilegiadas são entraves para se buscar maior justiça social na cobrança do IPTU.

“O problema dos tributos previstos no Estatuto da Cidade, e essa é a discussão por trás, é que geralmente a elite econômica resiste muito a qualquer mudança”, critica Jussara.

“Em qualquer lugar, não só em Aracaju, sempre tem uma ação para minar qualquer iniciativa nesse sentido [de aprovar lei em favor da progressividade]”, observa Maurício.

O pesquisador explica também que o IPTU tem mais capacidade de promover justiça fiscal por ser um imposto direto, “diferente do ICMS, que é indireto”, exemplifica. “Considero este o pior imposto, porque a pessoa mais rica paga o mesmo ICMS sobre o feijão, por exemplo, do que a pessoa mais pobre”, critica.

Os dois concordam que o melhor caminho para se debater e implementar a progressividade no IPTU é através do Plano Diretor, que é um regulamento que determina as políticas de desenvolvimento e expansão da cidade.

“A legislação mais adequada para trazer essas questões da progressividade seria o Plano Diretor, porque é uma lei que diagnostica a vocação da cidade e legisla em razão dessa vocação”, conclui Jussara, que é também professora do Departamento de Direito e do mestrado em Administração Pública.

Para saber mais

A dissertação de Maurício Nogueira – que é advogado e planeja cursar doutorado em Direito – está disponível no Repositório Institucional da UFS.

Marcilio Costa
comunica@ufs.br


Atualizado em: Qua, 03 de abril de 2019, 17:09
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