No processo de produção da farinha, quando a mandioca é prensada, ela remove um líquido de pigmentação amarelada, que recebe o nome de manipueira.
A parte sólida dessa extração é usada para produzir a tapioca e a farinha. Mas a manipueira agride o meio ambiente, por causa de sua elevada carga de ácido cianídrico, considerado venenoso e nocivo à alimentação humana e animal.
Submetida a um simples procedimento para eliminar o ácido cianídrico, a manipueira tem sido usada como matéria-prima para a fabricação de vinagre e sabão, para o controle de pragas na lavoura, como adubo e como complemento alimentar para o gado. Muitas vezes, porém, o líquido acaba sendo descartado no ambiente.
Uma nova utilidade poderá ser dada à manipueira, segundo uma pesquisa de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Química, da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Jussiene Costa identificou que o subproduto da manipueira tem potencial para ser utilizado no combate ao mosquito Aedes aegypti.
Transmissor de doenças
A ideia da pesquisa surgiu de uma proposta da orientadora e do co-orientador de Jussiene. Como ela sempre se interessou por temas que aliassem a pesquisa a resultados práticos sociais e ambientais, se empolgou com a proposta.
O Aedes aegypti pode transmitir quatro tipos de doenças: dengue, a chikungunya, zika vírus e a febre amarela. Os métodos que costumam ser utilizados para a eliminação do mosquito podem ser químicos, com o uso de inseticidas e de larvicidas (inclusive o modo fumacê), mecânicos, através da eliminação dos objetos em que o vetor se desenvolve, como pneus e latas velhas, e biológicos, com o uso de parasitas e predadores naturais para o controle do mosquito.
Em 2015, foram registrados mais de 1,6 milhão de casos prováveis de dengue no Brasil, o maior número registrado na história do país, segundo dados do relatório epidemiológico do Ministério da Saúde. O Nordeste registrou o segundo maior número de notificações de casos entre as regiões, cerca de 311 mil.
Segundo a professora Valéria Priscila de Barros, orientadora de Jussiene, é muito importante trabalhar com projetos que estejam próximos ao estudante e que contribuam para sua região. “Como em Itabaiana [onde a pesquisa foi realizada] e nas cidades da região tem muita gente que trabalha com essa parte da mandioca e da manipueira, daí surgiu à ideia do projeto”, diz a docente.
Análise e resultados
O objetivo de Jussiene era desenvolver um modo de eliminação do mosquito que causasse menos impacto ambiental. Nas suas análises, a manipueira se mostrou eficiente na mortalidade das larvas do Aedes aegypti, com diferentes graus de eficiência de acordo com o método de extração do produto larvicida.
Ela fracionou a manipueira em três partes, obtidas de modos distintos: resíduo bruto, que é o produto no seu estado puro; centrifugado, processo de separação de misturas em que uma máquina faz com que o corpo mais denso da mistura seja depositado no fundo do recipiente devido à ação da gravidade; e liofilizado, através do congelamento do produto, que depois de realizada a secagem, o produto é transformado em pó.
Após fracionar a manipueira nesses três estados, a pesquisadora depositou o produto em copos descartáveis, adicionou 20 ml de água e cerca de 20 larvas do mosquito em cada recipiente. Para a obtenção dos resultados, ela esperou 24h para fazer a contagem de quantas larvas haviam sofrido ação do produto.
Os resultados demonstraram que a manipueira causa a mortalidade das larvas do Aedes aegypti, tanto no resíduo bruto quanto no resíduo centrifugado, sendo mais eficiente neste, devido à eliminação ser causada em menores concentrações do produto. O resíduo liofilizado foi o único método que não apresentou nenhum efeito, ou seja, não levou à mortalidade na concentração analisada.
Pesquisas futuras
De acordo com Valéria, o trabalho ainda não cumpriu todas as etapas para ser usado na sociedade. O trabalho de Jussiene aponta a necessidade de realizar novo teste larvicida com a manipueira liofilizada, para reavaliar a mortalidade do Aedes aegypti.
Além disso, segundo a professora, é preciso desenvolver também testes de toxicidade, para analisar se a manipueira é tóxica para outros insetos e para o ser humano. “Às vezes, não adianta você matar [o mosquito], mas deixar o ambiente ainda mais tóxico”, conclui.
De acordo com Jussiene, após serem realizados todos esses testes, o produto poderá ser utilizado tanto no estado líquido, pelo carro fumacê, quanto em pó, nas caixas de água.
Ana Clara de Abreu (bolsista)
Marcilio Costa