Um sergipano que ganhou o mundo por meio de suas ilustrações. Alcançou o auge de sua carreira em Paris, desenhando cartazes de cinema, depois de ter atuado como caricaturista e ilustrador de jornais. Criou um formato para seus cartazes que se tornou padrão para o cinema no mundo todo.
Cândido Aragones de Faria nasceu em Laranjeiras (SE) e viveu de 1849 a 1911. Sua história está sendo contada agora no livro “Cândido de Faria – um ilustrador sergipano das artes aplicadas”, lançado pela Editora UFS.
O livro é fruto do trabalho de um grupo de pesquisa do curso de Design Gráfico da UFS. Orientados pela professora Germana Araújo, os estudantes Beatriz Matos, Cybelle Nascimento e Jean Carvalho foram também responsáveis pelo trabalho.
“A gente ajudou a construir montagem e tratamento de imagem e cada um ficou responsável em pesquisar uma parte específica da vida dele [Cândido Araújo]. A pesquisa é sobre análise da imagem e como ele formulava isso dentro da cultura que estava produzindo”, afirma Beatriz, estudante do 7º período.
O livro, passo a passo
Seu enredo faz uma amarração, em quatro partes, sobre quem foi Cândido e sua caminhada. “O nosso foco era descortiná-lo de maneira completa. Toda a vida dele, onde nasceu e onde faleceu. E durante essa trajetória, conhecer o que ele produziu, onde trabalhou e quais eram as características desse trabalho”, diz Germana Araújo.
A primeira parte – intitulada “A Laranjeiras de Faria” - foi escrita por Beatriz Góis, historiadora de Sergipe, para tratar de um lado mais pessoal da vida de Cândido.
Cândido de Faria nasceu em Laranjeiras em 1849. Após perder o pai (vítima da cólera), foi com a família para o Rio de Janeiro em 1858, onde ficou também órfão de mãe em 1862 e inicia sua trajetória no mundo das artes aos 17 anos, ao ingressar na Academia Imperial de Belas Artes.
Na parte dois - com o título “Um raro ilustrador brasileiro num mar de estrangeiros na imprensa nacional” -, o livro aborda o início do lado profissional de Cândido. Apesar da pouca idade e de ser um dos únicos brasileiros na área, ele foi conquistando espaço no trabalho de ilustração (desenhando caricaturas), sendo reconhecido como um artista das artes aplicadas.
A partir dessa conquista, Faria amadurece suas técnicas e passa a ter papel importante na produção intensa das publicações impressas. Nomeada de “Faria e a comunicação de impressos”, essa terceira parte foca em trazer para o leitor que, mesmo sendo pouco citado no Design, Cândido não era um completo desconhecido.
Já na parte quatro, última do livro, a migração de Cândido para o exterior deixa claro como ele estava inquieto com sua área de atuação no Brasil, pois buscava mais valorização.
Em 1879, vai morar em Buenos Aires buscando solos melhores para sua arte e seis anos depois, se muda para Paris, onde atua no cenário de bastante movimentação cultural da França, o do cinema.
Nomeado como “O que Faria em Paris”, o capítulo aborda a atividade do sergipano na ilustração de cartazes para filmes. Produções da então maior empresa cinematográfica da França foram divulgadas por cartazes desenhados por Cândido.
“A Stéphanie descobriu que ele entregava, em três meses, nove mil cartazes. Ele foi o maior produtor do cartaz de cinema do começo do século XX e o tamanho do cartaz do que ele produzia (1,20 x 1,60 m) até hoje é utilizado por Hollywood. Então é um sergipano que gera o formato padrão de cinema no mundo e isso é impressionante”, afirma Germana, que também é coordenadora gráfica da Editora UFS e professora do Mestrado em Culturas Populares.
Design e Cultura
A investigação do personagem protagonista do livro surgiu a partir do momento que Germana Araújo ingressou na Academia de Letras de Aracaju em 2015, tendo que escolher um patrono (figura intelectual representada por um membro da Academia) por consequência.
“Não se sabia muito sobre ele, apenas que já tinha sido descortinado, e assim ele foi uma alternativa. Como eu não sou uma pessoa de Letras, sou da visualidade, achei a ideia bastante interessante porque na época só se sabia que ele tinha sido um sergipano de Laranjeiras que tinha ido produzir cartazes de cinema pela Pathé”, diz a organizadora da obra.
Da escolha do patrono, Germana trouxe o nome de Cândido para o Design e Cultura, grupo de pesquisa que coordena. Dessa forma, ela e os três alunos foram estudando Cândido através da linha “Análise e produção da imagem”, destinada exclusivamente para isso.
“A questão de amadurecer como estudante e também como profissional foi sensacional. Eu comecei esse projeto sem pretensão alguma e saí apaixonada por pesquisa”, conta Cybelle Nascimento, que cursa o 8º período de Design Gráfico.
A discente diz também que uma das competências do desenho de Cândido é retratar de maneira realista o que pretendia representar. “O traço dele é muito característico e o desenho é muito particular. O traço que eu digo é aquela forma como ele trabalhava a caricatura e distorcia, mas não tanto para descaracterizar a pessoa. Ele evoluiu muito no trabalho, mas sem deixar essa sua marca registrada”, diz a estudante.
A ideia de organizar os resultados de pesquisa em um livro surgiu após um ano e meio de estudo, quando Germana foi até a Fundação Pathé – local que preserva o acervo da Produtora Pathé -, em Paris.
A obra começou a ser escrita no começo de junho de 2017, em setembro estava sendo corrigida e foi finalizada em dezembro. E para quem fez parte de sua construção, a sensação de realização fica nítida.
“A experiência de pesquisar alguém é gratificante porque você se sente um investigador e de repente a pessoa vai tomando forma no seu imaginário e no imaginário dos outros integrantes do projeto. Você pensa em como vai apresentá-lo para as outras pessoas que também não o conheciam ainda”, explica Beatriz.
Além dos textos dos estudantes, o livro conta com contribuições importantes no cenário da história e do design. O prefácio é escrito por Rafael Cardoso (designer), enquanto colaboraram na escrita da publicação Beatriz Góis (historiadora de Sergipe) e Stéphanie Salmon (responsável pelo acervo da Fundação Pathé), que também ajudou na tradução para o francês. O posfácio foi escrito por Norberto Gaudêncio Júnior (designer e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie), que teve participação durante todo o processo de pesquisa, já que sua tese de doutorado foi um embasamento para o grupo.
Desafios na trajetória
Apesar da boa relação que o grupo de pesquisa teve com a sugestão do nome de Cândido, a dificuldade para entender quem realmente ele foi e sua influência no cenário internacional foi um dos pontos principais a serem superados. Germana, Cybelle, Beatriz e Jean se depararam com a pouca quantidade de obras a respeito do sergipano.
“Não existia nada especificamente sobre ele. Todo material trabalhava a história da imprensa no Brasil ou sobre a história da caricatura, mas quase nada sobre ele. Foi bem difícil, mas conseguimos adquirir obras, estudamos trabalhos científicos que não tinham foco no Faria, mas em pessoas que eram contemporâneas a ele, então descobrimos essa historia maravilhosa de Cândido”, explica a professora.
Paralelamente a essa situação, algumas análises apontavam o ilustrador como argentino, o que fez com que os alunos intensificassem ainda mais a pesquisa. “O que fez a gente também se apegar a Cândido foi o fato de ele ser sergipano e não ser reconhecido como tal. Um cara tão fantástico, tão maravilhoso e, por vezes, passava batido. Em um grupo de pesquisa, a gente descobriu quanta riqueza Cândido pôde trazer”, diz Cybelle.
E para entender a relevância desse estudo sobre o artista, vale observar que o grupo de pesquisa da UFS é um dos três grupos no Brasil que aprofundam o conhecimento acerca de Cândido, de acordo com Germana Araújo.
“Uma coisa muito interessante é que como somos o único grupo dos três que reside em Sergipe e, por isso, uma coisa que eu queria que o livro tivesse como comissão de frente era a historia de Laranjeiras. Esse nosso livro é o único no mundo que trata exclusivamente sobre ele. É a única bibliografia específica sobre o Cândido, então tem um peso muito significante”, explica a coordenadora do grupo.
Futuros projetos
O livro foi lançado em Paris em março de 2018 e em Aracaju em maio, mas o trabalho sobre Cândido não está finalizado. Além da manutenção do grupo de pesquisa, Germana está produzindo outros projetos, frutos da ideia inicial do livro.
“Pensei que o livro iria me dar uma tranquilidade de tarefa cumprida, mas não. Está sendo bem mais que isso. Estamos produzindo também outro livro sobre ele, mas dessa vez com questões bastante específicas da área do design da informação. Estamos produzindo um minicurta em animação, sobre a vida dele, para apresentar no 10º Lobo Fest – Festival Internacional de Filmes; e em 2019 estaremos com 12 cartazes originais dele dentro do Museu Histórico Nacional, no Rio de janeiro.”
Cândido de Faria
. Em 1911, Cândido falece em Paris, onde se consagrou como o nome mais importante das artes visuais no início do século XX. “O Cândido é um ilustrador e nós somos da área do design gráfico. Então por ele assumir a linguagem da ilustração e fazer dela tão importante para o cinema e para os impressos, a gente se sente extremamente confortável de estar oferecendo esse livro para a sociedade”, conclui Germana.
Para saber mais
O livro pode ser encontrado nos sites Estante Virtual e Amazon.
Letícia Nery (bolsista)
Marcilio Costa