Ter, 07 de agosto de 2018, 18:51

O que é arte? Professores são determinantes nas interpretações dos alunos sobre o tema, indica estudo
Pesquisa de doutorado buscou identificar a influência do ensino de arte nas concepções dos estudantes

Quando começou sua pesquisa no doutorado, Márjorie Garrido Severo queria discutir a relação entre arte e política no ensino de arte contemporânea na escola. Mas percebeu que antes precisava entender como os alunos entendiam a arte em meio a uma grande diversidade de cultura visual.

A doutoranda acreditava que abordagem sobre as artes visuais no Ensino Fundamental, realizada por professoras e professores de artes, é a principal referência que os alunos têm para identificar obras de arte.

Seus estudos confirmaram: 74% do que os alunos identificavam como objeto de arte havia sido abordado pelo professor em sala de aula. Mesmo em pouco tempo, o trabalho dos professores fez com que os alunos criassem seus repertórios e identificassem com mais propriedade o que é arte.

Livros, filmes, revistas e até mesmo as relações interpessoais e seus espaços constroem um repertório que nos aproxima das manifestações artísticas – conhecidas ou não pelo mundo.


Pesquisa da professora Márjorie Garrido Severo levou o debate sobre o que é arte a estudantes concluintes do ensino fundamental de escolas de Aracaju, Barra dos Coqueiros, Socorro e São Cristóvão. (Foto: Dayanne Carvalho)
Pesquisa da professora Márjorie Garrido Severo levou o debate sobre o que é arte a estudantes concluintes do ensino fundamental de escolas de Aracaju, Barra dos Coqueiros, Socorro e São Cristóvão. (Foto: Dayanne Carvalho)

Mas, além disso, existe uma discussão que norteia suas transições: a questão em torno do que pode ser identificado como obra de arte e quem lhe define. Sob a luz de diversos teóricos e do orientador Bernard Charlot, Márjorie levou o debate até estudantes concluintes do ensino fundamental para saber o que eles identificavam como objetos de arte e de que maneira os professores atuavam na criação de seus repertórios.

A pesquisa na prática

A primeira fase da pesquisa teve a participação de 348 estudantes de escolas de Aracaju, Barra dos Coqueiros, Nossa Senhora do Socorro e São Cristóvão. “Tentei escolher por bairro e locais que pudessem dar um panorama dessa região metropolitana. Depois de eleger esses espaços, fui fazer a primeira visita. Conversei com os professores e eles acataram fazer parte da pesquisa, daí depois eu fui trabalhar com os alunos”, explica a pesquisadora.

No primeiro momento, ela trabalhou com associação livre para que os alunos escrevessem na lousa, pelo menos, outras cinco palavras ligadas à arte.


A pintura de René Magritte, "A traição das imagens", foi uma das obras utilizadas por Márjorie (Fonte: trabalho da pesquisadora)
A pintura de René Magritte, "A traição das imagens", foi uma das obras utilizadas por Márjorie (Fonte: trabalho da pesquisadora)

“Isso dá uma noção do que é que os alunos têm de imediato na mente porque essa associação livre é bem do inconsciente. Em uma escola que os alunos viam muito renascimento e essa coisa da arte tradicional, aparecia muito Leonardo da Vinci, polígono, etc. Em escolas que trabalhavam mais com prática apareciam palavras, como desenho, pintura, obras, galeria, caneta”, lembra Márjorie.

A partir disso, ela criou núcleos de significação que passavam pelo subjetivo, contextualização histórica (referencial) e a prática artística para entender, junto às entrevistas, como os professores trabalhavam suas abordagens metodológicas.

A segunda fase distribuiu os alunos em oito grupos de discussão para trabalhar com mecanismos como o inventário de saberes, artista favorito, museu imaginário e foto-elicitação. No primeiro, a proposta era que eles completassem uma frase inicial a partir do que entendiam como arte.

O seguinte questionava quais artistas eles tinham como referência. “Esse foi interessante porque os alunos lembravam sempre do que era muito próximo a eles: mãe, pai, primo, tio ou Picasso, Leonardo da Vinci”, menciona.

No museu imaginário, os alunos visualizavam em suas mentes um museu e quais obras seriam expostas. “Essas perguntas foram mais para gente entender melhor as características dos alunos, depois nós fomos para a foto-elicitação. Foram 20 imagens que eu escolhi: 11 eram obras de arte institucionalmente reconhecidas e outras eram imagens da cultura visual para estabelecer discussões (brinquedo, óculos, objetos da cultura de massa)”, explica a pesquisadora.

Márjorie fez um adesivo de cada imagem para que eles colassem em uma folha A3 e, em seguida, as separassem nos círculos ‘isto é arte’, ‘sobre isto tenho dúvidas’, ‘isto não é arte’. Segundo ela, que esteve nas escolas poucos meses depois da metade do ano letivo, os professores só costumavam abordar trabalhos de arte contemporânea no final do ano, então alguns alunos repetentes relembravam as aulas e traziam novos rumos paras as discussões.

Atmosfera artística

Entre os teóricos utilizados, o filósofo e crítico de arte norte-americano Arthur Danto era o que mais se aproximava da finalidade do estudo. De acordo com Márjorie, o que lhe chamou a atenção foi a tese criada por ele a respeito do mundo da arte.


Imagens em adesivos para aplicação da foto-elicitação, parte da metodologia da pesquisa de Márjorie (Foto da pesquisadora, disponível na Tese)
Imagens em adesivos para aplicação da foto-elicitação, parte da metodologia da pesquisa de Márjorie (Foto da pesquisadora, disponível na Tese)

“Nesse mundo da arte que ele vai estabelecer está envolvida não só a questão do que os museus, revistas, livros especificam como sendo arte, mas também uma atmosfera artística. É como se a sociedade estivesse preparada para dizer que aquilo é ou não arte – quem é que estabelece o que seria arte?”, explica.

Segundo a pesquisadora, era preciso ter um critério filosófico para analisar e dizer como os alunos identificavam arte a partir dos instrumentos aplicados no processo. Sua apuração junto a esses estudantes partiu da condição da significação da obra de arte.

Para ela, isso é uma chave para entender o conceito de corporificação, ou seja, a interpretação que alguém dá a algo. “As pessoas podem nem ter estudado história da arte, mas elas têm um reflexo da mídia, dos livros, das propagandas com obras de arte antigas. Essa atmosfera vem carregada dessas partículas da história, então o que o Danto diz é que para definir algo como arte vai depender não só das instituições, mas desse percurso de história da arte”, explica.

Repertório

Em sua tese, a pesquisadora – ainda fundamentada por Danto – discute esse percurso enquanto um repertório que nos constrói como pessoa. “Ele é muito importante para esse estabelecimento da mudança e do padrão de objeto comum para objeto de arte. Eu vou falando desse repertório e é por isso que é tão importante discutir isso na escola”.


Procedimento de foto-elicitação, parte da metodologia da pesquisa de Márjorie (Foto da pesquisadora, disponível na Tese)
Procedimento de foto-elicitação, parte da metodologia da pesquisa de Márjorie (Foto da pesquisadora, disponível na Tese)

Durante as análises nessas escolas, Márjorie entrevistou quatro professoras e quatro professores de arte(s), com formação específica. “Não fui para escolas que tinha professores de arte, fui onde tinha professores de arte com formação, justamente para identificar a ação deles nas escolas, a criação desse repertório mínimo”, ressalta.

Mesmo em escolas em que as aulas tinham o tempo de uma hora, Márjorie percebeu a importância do trabalho desenvolvido pelos professores ao abordarem obras e artistas e discutirem o contexto histórico, estimularem a prática e a leitura de imagem, ampliando esse repertório.

“Eu apresentava algumas imagens para os alunos e eles diziam: ‘ah, isso aqui para mim não é arte, mas se o professor falou e justificou, então é arte. Mas para mim, não seria’. Esse aluno sabe da discussão, ele identificou a discussão e o professor instaurou isso na sala, então ele sabe o que é que passa nessa transformação do objeto comum para o objeto de arte”, diz.

As pesquisas confirmaram a tese de Márjorie e Bernard Charlot, de que a concepção que os alunos têm de arte está majoritariamente ligado às abordagens dos professores em sala de aula.

Para saber mais

A dissertação está disponível, na íntegra, no Repositório Institucional da UFS. Clique aqui para acessar.

Dayanne Carvalho (bolsista)
Marcilio Costa
comunica@ufs.br


Atualizado em: Sex, 25 de janeiro de 2019, 18:09
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