Ainda que a história dos grupos minoritários apresente um cenário de lutas e conquistas, como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1965, o mercado de trabalho tem sido marcado por privilégios e discriminação entre homens e mulheres, brancos e negros. O quadro é o mesmo dentro do mercado sergipano, como aponta a pesquisadora Valdenice Portela, que analisa a participação das mulheres pardas e negras na indústria de transformação sergipana.
Durante a pesquisa, Valdenice utilizou dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), nos períodos de 2007/2008 e 2013/2014, para compreender os índices de discriminação racial e de gênero nos quadros de funcionários das indústrias, tendo como referência a norma de responsabilidade social empresarial - conceito criado pelo Instituto Ethos de Responsabilidade Social Empresarial, em 1998, para entender e combater desigualdades.
Trabalhando com a linha da Psicologia Social com ênfase nos processos sociais e relações intergrupais, ela trabalhou com grupos minoritários focando em mulheres pardas e negras. “A gente observa que as pardas não estão distantes da realidade das pretas, embora a presença delas seja muito maior dentro da indústria de transformação sergipana do que das pretas”, ressalta.
Analisando os dados, ela notou que existe uma discriminação de gênero, já que os homens representam 73% e as mulheres 28%, na força de trabalho das empresas analisadas; além de uma discriminação racial, considerando que 72% dos trabalhadores são pardos, enquantos os percentuais para homens e mulheres negras foram, respectivamente, de 6% e 1,3% em 2007, 5,4% e 1,3% em 2008, 5,9% e 1,4% em 2013 e 6,5% e 1,8% em 2014..
Participação em Sergipe
Analisando os períodos de 2007/2008 e 2013/2014, a pesquisa verificou o que ocorreu na indústria de transformação sergipana, checando não apenas o nível de participação das mulheres, mas também as diferenças salariais e a escolaridade.
De acordo com ela, em termos de escolaridade, os brancos não estão muito distante dos negros, que costumam ter os níveis fundamental e médio, mas são eles que recebem os melhores salários, seguidos dos homens negros, mulheres brancas e, por último, as mulheres negras. “É uma pesquisa que se deu dentro do setor industrial e dentro da indústria de transformação em Sergipe, mas se nós formos para outros estudos, a gente vai observar que isso se dá em outras atividades econômicas e que essa hierarquia não é a mesma. As mulheres brancas podem estar em melhores posições do que os homens negros dentro do mercado de trabalho, mas as mulheres negras são aquelas que sempre se encontram na base dessa estrutura”, explica a pesquisadora.
Para o orientador Marcus Eugênio Oliveira Lima, os dados usados na dissertação “são muito poderosos porque eles analisam, usando a Rais, mais de 100 mil trabalhadores na indústria sergipana”. “O resultado geral é que a norma [adotada pelo Instituto Ethos] surte pouquíssimo impacto. A discriminação da mulher preta na indústria de transformação sergipana atravessa os anos de incidência da norma sem alterar quase nada”, afirma Marcus.
Uma explicação para isso é que, segundo Valdenice, a norma também pode ser aplicada como disfarce para a imagem da empresa. “Existe uma realidade que é uma pressão social, uma necessidade do consumidor, e a empresa dá a entender que tem essa preocupação. Quando a gente vai observar, ela não existe porque aí está envolvida uma discriminação indireta”, destaca Valdenice.
Para saber mais
A dissertação está disponível, na íntegra, no Banco Digital de Teses e Dissertações (BDTD). Clique aqui para acessar.
Dayanne Carvalho (bolsista)
Marcilio Costa
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