Apesar de não ser possível definir como e quando surgiu, o bullying enquanto fenômeno foi analisado primeiramente pelo professor e pesquisador da Universidade da Noruega, Dan Oweus, em 1970. O termo serve para definir atos recorrentes de violências física, verbal e psicológica, praticadas contra algum indivíduo. A falta de tradução para o termo se deve à dificuldade de traduzi-lo para outros idiomas, sem que perca seu real significado.
A ação é comumente percebida nos ambientes escolares e, em decorrência dos avanços tecnológicos, também pode se manifestar através da divulgação de vídeos, e-mails ou imagens comprometedoras.
Em sua dissertação de mestrado, Elcio Rezek Leopoldino aborda o tema sob a ótica da fenomenologia, conceito criado pelo filósofo francês, Merleau Ponty. Essa corrente de pensamento estuda a essência das coisas e como elas são percebidas no mundo.
Elcio usou essa perspectiva para dar voz ao próprio adolescente investigado através de suas percepções, assim, interpretar o real vivido pelo estudante, a possibilidade de se conhecer a relação que cada adolescente possui sobre o bullying através das suas narrativas.
Para abordar o bullying a partir dessa teoria, Rezek entrevistou estudantes de três instituições de ensino da cidade de Aracaju, sendo uma estadual, uma federal e outra particular.
O pesquisador conta que se baseou em um fenômeno humano, no caso o bullying, para que os jovens pudessem relatar suas experiências sobre o assunto, utilizando alguns conceitos como: percepção (o que percebem desse fenômeno dentro da realidade na qual estão inseridos); e intencionalidade (como por meio desse fenômeno ele se relaciona com seus pares), ou seja, levando em conta a subjetividade inerente a cada ser humano, como os jovens tratam do fenômeno consigo mesmos e com os outros.
“Ouvimos esses jovens, o que eles falam pra nós acerca disso. Um jovem que sofre de fato esse fenômeno humano, basicamente as exclusões, por alguns fatores como o fato de ser pobre, negro ou filho de agricultores”.
Uma das observações feitas pelos estudantes, segundo Elcio, é que as instituições não levam o fenômeno a sério, e não há um projeto de conscientização sobre como as diferenças podem ser tratadas dentro dos ambientes escolares. “A escola não trata a diversidade, isso ficou muito claro na fala deles, e de fato a escola não faz isso, pois fica muito preocupada com o conteúdo”.
Elcio teve a oportunidade de comprovar a afirmação dos entrevistados. Durante as entrevistas ouviu de estudantes que pelo fato de já estarem cansados de não conseguirem uma resposta da coordenação, os próprios alunos criaram uma rede de proteção entre si. Quando percebiam que um colega estava sofrendo bullying, imediatamente iam protegê-lo, não de uma maneira violenta, mas conversando com o agressor. Em última instância, levavam o caso até a direção. Isso foi constatado em duas das três escolas analisadas.
O bullying e suas diferentes manifestações
Com a experiência de quem atuou durante 23 anos como professor da educação básica de São Paulo, Rezek afirma que apesar das diferenças culturais, o bullying se manifesta de maneira semelhante mesmo em diferentes regiões do país, pois as agressões físicas e verbais são as mesmas, e em qualquer lugar pode acabar gerando exclusões.
Contudo, o bullying enquanto fenômeno se manifesta de forma distinta nas escolas públicas e privadas, segundo o autor da pesquisa. Enquanto nas instituições particulares as ofensas estão mais relacionadas com a capacidade cognitiva, nas instituições públicas a questão está ligada ao corpo e características físicas.
“Uma coisa muito interessante sobre a questão do corpo é que a escola trata como um objeto e a fenomenologia do Ponty trata como um sujeito. ‘Eu sou meu corpo’. Então, na fala deles foi muito explícito que as agressões aconteciam ‘porque sou gordinha’, ‘porque sou negra’, ‘porque sou branca demais’, ‘porque sou magrinha’”.
Apesar disso, Elcio faz questão de frisar que nem tudo pode ser caracterizado como bullying, já que também existem brincadeiras sociais entre os jovens. Ele lembra que os próprios estudantes admitem algumas vezes se divertirem colocando apelidos uns nos outros, mas que nem sempre viam problema nisso. “O bullying passa a ter característica de bullying quando se torna uma violência repetitiva”, conclui.
Abordagem inovadora
Luiz Alselmo Menezes Santos, professor do Departamento de Educação Física (DEF) e orientador da dissertação de Elcio Rezek, afirma que são várias as consequências em decorrência da prática do bullying, que vão desde a depressão, baixo rendimento escolar, isolamento e rejeição dos pares.
Como forma de sanar o problema, o orientador pensa que cada professor poderia tentar relacionar sua matéria ao tema de maneira transversal, além de promover seminários em relação ao assunto, envolvendo os alunos e incentivando os estudantes a pesquisarem sobre temáticas relacionadas ao respeito pelo outro enquanto sujeito.
O professor acredita que a pesquisa é inovadora em relação às outras já feitas sobre o tema, pela abordagem escolhida.
“Geralmente as pesquisas que são realizadas com adolescentes, são feitas através de questionários. A diferença de nossa metodologia é que ela deixou a voz do aluno aparecer para que a gente visse o que realmente acontece. Comumente eles dizem que são espectadores do bullying, ou às vezes que não têm um espaço aberto de confiança para revelar que sofreram ou praticaram”, explica o professor.
Para saber mais
A dissertação está disponível, na íntegra, no Banco Digital de Teses e Dissertações (BDTD). Clique aqui para acessar.
Guilherme Almeida (bolsista)
Marcilio Costa
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