Privacidade, conforto e lazer fazem parte do sonho de consumo de muitas pessoas que sonham com a casa própria. Muitos buscam realizar esse desejo através dos condomínios fechados, seja como um espaço de moradia, ou mesmo de veraneio - tanto para os que pretendem descansar próximos à praia, ou para os que preferem fugir da rotina estressante das grandes cidades e optam pelo campo.
Motivada pelo surgimento, na década de 1990, dos condomínios de praia no setor costeiro da zona de expansão da capital sergipana, Alessandra Magda dos Santos de Souza, integrante do Grupo de Pesquisa em Gestão Territorial de Ambientes Costeiros (Gestac), buscou analisar em sua tese de doutorado em Geografia, a expansão dos condomínios horizontais exclusivos (CHEs) no litoral metropolitano de Aracaju (LMA).
O termo ‘condomínio horizontal’ é usado para diferenciar o conjunto exclusivo de casas dos ‘condomínios verticais’, constituídos por prédios. Além de analisar a zona de expansão da capital sergipana, ela também verificou esse processo nos municípios de Barra dos Coqueiros e São Cristóvão.
Entre os fatores que chamaram a atenção da pesquisadora para os CHEs, está - como denomina em sua pesquisa – a segregação socioespacial. Neste caso, o termo se refere ao isolamento que esses condomínios privativos oferecem por serem fisicamente recortados do espaço público.
“A presença dos muros, principalmente, reflete essa segregação. Você tem ‘os de dentro’ e ‘os de fora’ do muro. E principalmente nessa zona de expansão, você vê uma contradição muito forte de ruas asfaltadas na frente do condomínio, e logo depois, aspectos rurais no restante da comunidade, a questão da pobreza mesmo. Então, por isso a gente usou essa questão da segregação socioespacial”, explica Alessandra.
Segundo a pesquisadora, essa segregação acaba muitas vezes resultando em um reforço das desigualdades, principalmente no litoral metropolitano, já que a posse desses imóveis está muito ligada ao significado que ela representa. “Tem a questão do discurso da violência, da proteção, mas por outro lado a forte questão do status, de morar em um condomínio fechado. E o mercado imobiliário vende tudo isso. Então, você vai ter uma praia exclusiva, num espaço exclusivo, tudo isso vai reforçar essa questão da segregação”.
O impacto ambiental causado pela chegada desses condomínios horizontais reflete uma contradição, pois ao mesmo tempo em que eles desarticulam e fragmentam o espaço, também são capazes de articular e reconfigurar o ambiente, já que são alocados próximos a eixos estruturantes como BRs e pontes. “Essas materialidades são atraídas pelos condomínios, e estes são atraídos por elas, então isso ficou muito claro em nossa pesquisa da dinâmica socioespacial a partir dos CHEs”, afirma.
A pesquisadora conta que não chegou a conversar diretamente com representantes do poder público, mas participou de algumas reuniões e analisou planos diretores. Tomando como exemplo a Barra dos Coqueiros, destaca o incentivo que os órgãos administrativos dão para a chegada desses empreendimentos, seja com a facilidade em relação aos impostos, ou mesmo pela a arrecadação do próprio poder público. No caso do município citado acima, o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), atingiu um aumento de 1000% em 2014. “Como fica a comunidade local que tem seu espaço bem valorizado e não dá conta de tudo isso?”, questiona Alessandra.
Autossegregação e autorrealização
José Wellignton Carvalho Vilar, orientador da tese defendida por Alessandra, conta que através de entrevistas com os moradores a pesquisadora conseguiu chegar a uma análise interessante a respeito dos principais fatores que levam alguém a investir nesses condomínios exclusivos.
“De fato, sempre há um conjunto de elementos que explicam porque as pessoas vão morar lá. Vão por uma questão histórica das famílias possuírem casa de praia, de veraneio, haver uma tradição familiar. Vão morar lá porque é um investimento, por um elitismo, porque tem dinheiro. Chegamos à conclusão de que a violência não é o elemento chave para que as pessoas comprem e morem nesses condomínios exclusivos”, explica Vilar.
O professor lembra que a segregação socioespacial nos CHEs não deve ser tomada no sentido de exclusão, já que nesse caso, particularmente, ocorre uma autossegregação. Ou seja, as pessoas escolhem o isolamento pelos mais variados motivos, e um deles é justamente a questão ligada à autorrealização.
José Vilar diz que o Estado tem um poder ambíguo nesse tema, pois ao mesmo tempo em que estimula a expansão desses condomínios horizontais, também dificulta através de suas políticas.
“Então ele [Estado] fica na fimbria dessa ilegalidade de ter algo murado, público e privado ao mesmo tempo. A legislação que vai regulamentar de fato isso ainda está em tramitação no Congresso. Apesar dessa situação, os condomínios valorizam o lugar onde se instalam. Veja o caso do Alphaville e da Barra dos Coqueiros, que mudou completamente a geografia daquela região de uma maneira forte. Já a zona de expansão, ao lado das praias, como tem uma questão ambiental e por ser uma zona de alta fragilidade, teve um freio a essa ocupação, mas está lá cheio de condomínios, a maioria deles em frente à praia”.
Mas o professor também lembra que existe uma relação do setor imobiliário com o Estado e este, por sua vez, realiza investimentos de infraestrutura, pincipalmente viária, já que para os órgãos administrativos, a chegada desses CHEs também significa um retorno ao seu investimento.
Vilar também faz questão de lembrar o fundamental papel do marketing nessa expansão na litoral metropolitana de Aracaju, pois, segundo o professor, eles absorvem o discurso do desenvolvimento sustentável, da necessidade de arborização e preservação do verde, sem deixar de lado a beleza e a parte estética. “Obviamente o investimento é nesse sentido. Eles vendem a imagem do sossego, do ambientalmente correto, do lugar seguro”.
Contudo, os questionamentos ainda continuam sendo maiores do que as conclusões. O professor explica que o lado bom da ciência é justamente nunca atingir uma verdade absoluta, mas deixar brechas para outras descobertas ou maiores aprofundamentos.
“Às vezes mistificamos o condomínio como se fosse uma elite morando lá, mas você também encontra problemas de convívio, e Alessandra foi investigar isso conversando com os moradores sobre quais são as práticas dificultam o convívio desses ‘iguais’ intramuros. Então ela deixou muita coisa em aberto para novas investigações e questionamentos”, arremata Vilar.
Para saber mais
A tese está disponível, na íntegra, no Banco Digital de Teses e Dissertações (BDTD). Clique aqui para acessar.
Guilherme Almeida (bolsista)
Marcilio Costa
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