Qua, 19 de agosto de 2020, 10:03

Falta de preparo das escolas para lidar com a dislexia dificulta combate ao ‘bullying’
Pesquisador entrevistou alunos, professores e diretores da rede pública de Aracaju

Tarefas cotidianas do ambiente escolar, como interpretar um texto, resolver uma conta matemática ou até escrever algumas palavras, podem ser atividades muito difíceis para alguns alunos. Essa dificuldade, muitas vezes, está relacionada à dislexia, caracterizada pela Associação Internacional de Dislexia como um transtorno de aprendizagem que causa dificuldade na recepção, integração e expressão das informações. O tema ainda é pouco discutido nas escolas, o que dificulta o diagnóstico e gera uma série de consequências negativas, como o bullying.

A possível relação entre bullying e dislexia foi justamente o que motivou Igor Henrique Farias a pesquisar sobre o tema no Mestrado em Psicologia da UFS. O seu principal objetivo foi estudar a caracterização do bullying nas escolas da Grande Aracaju e sua ocorrência contra estudantes considerados em situação de inclusão, especialmente os que convivem com o quadro de dislexia.

“O conhecimento sobre dislexia é algo carente em todo o grupo escolar. Em sua formação, os professores não adquiriram conhecimentos acerca da atuação com estudantes disléxicos, e boa parte dos alunos não conhecem o termo. A equipe diretiva, por sua vez, confunde dislexia com autismo. Essa falta de conhecimento por si só já acomete implicações no processo de ensino e aprendizagem de estudantes com dislexia, e isso pode desencadear situações de bullying”, diz.


Igor Henrique Farias: "Essa falta de conhecimento por si só já acomete implicações no processo de ensino e aprendizagem de estudantes com dislexia, e isso pode desencadear situações de 'bullying'”. (Foto: Adilson Andrade)
Igor Henrique Farias: "Essa falta de conhecimento por si só já acomete implicações no processo de ensino e aprendizagem de estudantes com dislexia, e isso pode desencadear situações de 'bullying'”. (Foto: Adilson Andrade)

Dislexia na escola

Nos questionários aplicados aos alunos, apenas quatro relataram ter o transtorno de aprendizagem. Entretanto, nas entrevistas com os professores e equipe diretiva foi informado um número maior de estudantes disléxicos.

“Durante o processo de escolarização, os professores identificam comportamentos semelhantes ao quadro. Nesses casos, os docentes informam a equipe diretiva, para que possam entrar em contato com os pais e oferecer um encaminhamento aos profissionais responsáveis por essa constatação (psicólogo, fonoaudiólogo, neurologista)”, esclarece Igor.

O orientador da dissertação, professor Joilson Pereira da Silva, explica que as dificuldades apresentadas pela dislexia geralmente resultam de um déficit no componente fonológico da linguagem. “Isso, quase sempre, acaba comprometendo outras habilidades cognitivas, como expressão de ideais de forma coerente, construção de seu vocabulário, compreensão e identificação de sons com associação às letras, retenção de uma história, identificação das horas, concentração e foco, memorização de sequências numéricas, aprendizagem de rimas, sequências musicais e coordenação motora”, descreve.

Segundo Igor, os professores de Educação Física e Língua Portuguesa relataram que é comum, durante as aulas, alunos possivelmente disléxicos sofrerem bullying por não conseguirem executar as atividades no mesmo tempo que os demais.


Joilson Pereira da Silva: “Entendemos que a educação inclusiva é uma questão de direitos humanos, sendo guiada pelos princípios de igualdade e equidade". (Foto: acervo pessoal)
Joilson Pereira da Silva: “Entendemos que a educação inclusiva é uma questão de direitos humanos, sendo guiada pelos princípios de igualdade e equidade". (Foto: acervo pessoal)

De acordo com Joilton, representações negativas atribuídas a eles, tais como: “burro”, “preguiçoso”, “desatento” e “letra feia”, que favorecem à ocorrência do bullying escolar, podem contribuir para um contexto de maior vulnerabilidade (quadros de baixa autoestima, falta de autoconfiança e crenças negativas sobre si).

Ações

Para Igor, é muito importante que o Estado, bem como as autoridades responsáveis pela manutenção da educação, ofereçam cursos de capacitação aos profissionais que compõem todo o grupo escolar (educadores, diretores, coordenadores etc). “É essencial que sejam feitas palestras, eventos e cursos informativos para os pais, alunos e comunidade”, sugere.

De acordo com ele, quando Estado não oferece esses recursos aos professores sobre dislexia, chega a ser uma violência contra aqueles que precisam desse cuidado e atenção. “Nesse sentido, os resultados da nossa pesquisa constataram que os docentes acreditam que alunos com dislexia sofrem mais bullying durante o processo de escolarização que os outros”.

Na opinião de Joilson, o primeiro passo para combater o bullying é apostar em uma educação inclusiva, pois ela demanda uma nova cultura escolar capaz de assumir uma visão mais ampla de diversidade. “Entendemos que a educação inclusiva é uma questão de direitos humanos, sendo guiada pelos princípios de igualdade e equidade, se opondo a qualquer situação de discriminação e segregação do aluno em virtude de uma incapacidade, dificuldades de aprendizagem, culturas diferentes e de gênero”, enfatiza.

Para saber mais

A pesquisa citada nesta matéria pode ser encontrada no Repositório Institucional da UFS, clicando aqui.

Fernanda Roza (bolsista)
Marcilio Costa
comunica@ufs.br


Atualizado em: Qui, 20 de agosto de 2020, 13:26
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