Sex, 13 de setembro de 2019, 21:12

Projeto estuda o desenvolvimento de ‘géis dosimétricos’ para auxiliar na radioterapia
A pesquisa, que motivou um convênio entre a UFS e a Universidade de Pisa, testa um reagente para aumentar a eficiência do tratamento contra o câncer

O câncer é a segunda maior causa de morte no mundo, sendo responsável por mais de 9 milhões de mortes no ano de 2018, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS). A radioterapia é um tipo de tratamento que utiliza a radiação para destruir um tumor ou impedir que suas células aumentem, reduzindo tumores que estejam comprimindo outros órgãos e controlando dores e sangramentos. Durante o tratamento, a radiação não pode ser vista e o paciente não sente nenhuma dor.

O procedimento utiliza feixes de radiações ionizantes (os raios X, por exemplo), direcionando-os de maneira precisa em um volume de tecido tumoral. O objetivo é eliminar todas essas células “doentes” de modo que isso cause o menor dano possível às células saudáveis vizinhas, que serão responsáveis pela regeneração da área irradiada.

O tempo de aplicação e as doses de radiação são calculados de acordo com o tipo e tamanho do tumor, sendo grandes taxas de dose em pequenas áreas. Tudo isso é feito de maneira controlada e mensurada. Para garantir isso, é indispensável um excelente controle de qualidade, algo de bastante trabalho e que muitas vezes não é viável com os métodos tradicionais.

A dosimetria tridimensional (3D) tem como objetivo simplificar esses procedimentos de controle de qualidade, fazendo com que sejam mais simples e confiáveis. A elaboração e uso dos dosímetros tridimensionais versáteis possibilitam, na prática clínica, uma melhor precisão para verificar a distribuição das doses de radiação.

Gel dosímetro

Um dos meios de se fazer a dosimetria 3D é com a dosimetria em gel. A técnica, em fase de desenvolvimento, contém os mais recentes e promissores dosímetros para radioterapia. Os géis são dosímetros químicos que utilizam uma base de gel para fixar a distribuição da dose de radiação absorvida. Eles são inseridos em um recipiente para o controle de qualidade, antes da aplicação no paciente, sendo possível assim verificar o local e a quantidade da radiação.

Anderson Alves iniciou em 2015 seu doutorado em física na UFS (São Cristóvão) em um convênio com a Universidade de Pisa (Pisa, Itália). Ele conta que nesse período entrou em um projeto de pesquisa sob orientação da professora Susana Lalic, do Departamento de Física da UFS (São Cristóvão), e com a colaboração de Francesco D’Errico, professor de Radiologia e Imagem Biomédica na Universidade de Pisa e Yale (Connecticut, Estados Unidos).


A fusão física e química foi essencial para a continuação do projeto dos géis. Anderson Alves, autor da tese (o quinto, da esquerda para a direita), teve a parceria de William Farias (graduando em química na UFS), professora Eliana Sussuchi (Departamento de Química da UFS São Cristóvão), professor Francesco D’Errico, professora Susana Lalic e Wandson Almeida (mestrando em química na UFS). (Foto: Adilson Andrade - Ascom/UFS)
A fusão física e química foi essencial para a continuação do projeto dos géis. Anderson Alves, autor da tese (o quinto, da esquerda para a direita), teve a parceria de William Farias (graduando em química na UFS), professora Eliana Sussuchi (Departamento de Química da UFS São Cristóvão), professor Francesco D’Errico, professora Susana Lalic e Wandson Almeida (mestrando em química na UFS). (Foto: Adilson Andrade - Ascom/UFS)

Na pesquisa, foram investigados métodos para produzir géis dosimétricos, sendo um deles o gel Fricke. O gel Fricke (GF) é um dosímetro não-tóxico e equivalente ao tecido humano em resposta à radiação, que pode ser preparado com facilidade, e, devido isso, foi o foco da tese de doutorado de Anderson.

Alaranjado de xilenol

Há equipamentos sofisticado para calcular e controlar as doses, como conta a professora Susana. “Você controla, faz um programa e confia que esse programa está funcionando, mas como conferir que ele realmente está entregando a dose onde você está planejando?”.

Diante disso, ela explica que o trabalho deles, juntamente com uma equipe de pesquisa na Universidade de Pisa, foi desenvolver um meio para conferir a quantidade e o local da dose de radiação entregue, o gel Fricke.

“Foi elaborada a receita de um gel que sofre o efeito da radiação. Ele tem íons de ferro 2 que, com a radiação, viram ferro 3. É possível medir essa mudança com ressonância magnética, só que isso é caro. Então foi pensando em desenvolver algo que fosse visível, que ele então mudasse de cor. Para isso acrescentaria, além dos íons de ferro, na matriz que é o gel, alguma coisa que desse cor e que se anexasse, por exemplo, a esse ferro 3. Quanto mais ferro 3, mais cor, por exemplo, tinha que ficar”, explica.

A partir disso, o grupo desenvolveu uma receita com o alaranjado de xilenol (AX), um reagente orgânico, que adicionado ao gel o faz mudar de cor conforme recebe doses de radiação.

Anderson foi além e desenvolveu novas receitas. Juntou sua equipe com um grupo de pesquisa que envolve professores da graduação e pós-graduação em Química, também da UFS (São Cristóvão), pensando na melhor maneira de fazer esse gel.

Colaboração internacional

Junto a professora Susana e o professor Francesco, Anderson buscou - e continua a - desenvolver técnicas para mensurar a quantidade de radiação para fazer boa imagem ou boa terapia.

Francesco explica que, quando se trata de radioterapia, é preciso, às vezes, ter boas imagens, às vezes, bons tratamentos. E nos dois casos é necessário saber exatamente o quanto de radiação será usada.

“Tem que usar a quantidade correta, nem mais, nem menos. Se você usa demais, você causa dano. Se você usa menos, não é suficiente e então você tem que fazer isso de novo, o que logo também não é uma boa coisa”, pontua.

Além da conexão com a Itália, há também equipes na Polónia e Hungria colaborando para alcançar melhores e confiáveis resultados com a pesquisa.

Mais pesquisas

Susana conta que o gel-Fricke-Xilenol apresenta alguns problemas, “ele muda de cor onde recebe a radiação, mas se for feito um volume grande, a parte que mudou de cor não é fixa, pode se espalhar. Então como fazer com que aquele sinal se fixe com o tempo e que ele não oxide naturalmente no ambiente?”.

Então a pesquisa prossegue. Anderson e a equipe continuam trabalhando em laboratório, auxiliando alunos que participam do projeto e explorando novas formulações para os géis dosimétricos. Ele explica que o gel que investigaram ainda não é amplamente utilizado na prática.

“Justamente isso que estamos pesquisando. Meios de tornar nosso gel dosimétrico utilizável na prática, facilitando sua síntese e melhorando suas características de estabilidade e sensibilidade”, conclui.

Para saber mais

A pesquisa citada nesta matéria pode ser acessada no Repositório Institucional da UFS, clicando aqui.

Haline Gomes Farias*
Marcilio Costa (jornalista supervisor)
* Estudante de Jornalismo da UFS. Esta matéria foi desenvolvida como parte das atividades de Estágio Curricular Supervisionado do curso.


Atualizado em: Qua, 18 de setembro de 2019, 16:58
Notícias UFS