Qua, 29 de maio de 2019, 17:15

Pesquisa propõe Zoneamento para resolver ocupação irregular da praia do Abaís
Casas de veraneio, condomínios residenciais e outras construções estão entre as principais ameaças ao equilíbrio do ambiente costeiro
Praia do Abaís (foto: Daniel Gomes)
Praia do Abaís (foto: Daniel Gomes)

A praia do Abaís, localizada em Estância, litoral sul de Sergipe, pode até não estar na lista das mais bonitas do estado, mas possui uma paisagem natural que, composta por praia, dunas e lagoa, despertou o interesse de muitos turistas e veranistas.

De acordo com o Censo de 1991, Estância possuía 916 residências secundárias. No recenseamento de 2000, alcançou o número de 1.661, apresentando o segundo maior crescimento absoluto do litoral sergipano, perdendo apenas para Aracaju. Em 2010, manteve a colocação, com 2.614 segundas residências.

A procura pela região aumentou ainda mais depois da construção da ponte Joel Silveira, inaugurada em 2010, que facilitou o acesso dos aracajuanos às praias do litoral sul.

A praia do Abaís, inserida nessa área litorânea, se tornou referência como uma praia de veranistas. Toda sua estrutura urbana é voltada para atividades turísticas e de veraneio, que podem ser positivas economicamente. Mas, por outro lado, a construção de segundas residências, bem como de outras edificações turísticas, em regiões de alta vulnerabilidade, comprometeu o equilíbrio do ambiente costeiro e provocou impactos socioambientais negativos na localidade.


Para Rayane, o zoneamento permite fazer o ordenamento de uma ocupação que já existe, sem precisar desrespeitar os direitos das pessoas que já estão na região (foto: Adilson Andrade)
Para Rayane, o zoneamento permite fazer o ordenamento de uma ocupação que já existe, sem precisar desrespeitar os direitos das pessoas que já estão na região (foto: Adilson Andrade)

Preocupada com isso, Rayane de Oliveira, ao realizar sua dissertação de mestrado, no Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe, propôs um zoneamento urbano da área. A ideia foi fazer um mapeamento da região, propondo zonas funcionais e diretrizes urbanísticas para cada uma, de acordo com o estudado na localidade.

A pesquisadora começou a se perguntar: “por que estão construindo ali, se não pode?Isso foi um questionamento que foi surgindo ao longo dos anos e quando terminei a graduação, me interessei em desenvolver essa temática para uma dissertação de mestrado”, diz.

Zoneamento

O Zoneamento consiste em dividir um espaço físico em zonas, sendo que cada uma delas tem uma função específica e visa trazer o ordenamento adequado, buscando soluções do ponto de vista social, econômico e ambiental (veja o mapa com o Zoneamento propondo na dissertação). Daniela Pinheiro, orientadora de Rayane, explica que, no caso do zoneamento urbano, existem alguns tipos de áreas específicas, como área de praça, comércio, residencial, preservação etc.


À esquerda, mapa de ocupação do solo urbano da praia do Abaís; à direita, Zoneamento Urbano da praia do Abaís (fonte: dissertação da autora):
À esquerda, mapa de ocupação do solo urbano da praia do Abaís; à direita, Zoneamento Urbano da praia do Abaís (fonte: dissertação da autora):

Segundo Rayane, fazer um zoneamento urbano para uma região costeira é importante para mostrar que existe solução para problemasdifíceis. “O poder público, às vezes, quando se encontra com uma situação dessa, de ocupação irregular, desordenada, demonstra não ter o que fazer. Mas o meu estudo comprova que é possível ordenar uma ocupação que já existe, garantindo o direito daqueles que já estão lá”, diz.

De acordo com Daniela, seguindo o zoneamento, como já estão definidas as zonas de riscos, é possível construir sem perigo ambiental, cultural e econômico. Mas se não segui-lo, há chances de construir em uma área ilegal, podendo provar eventos naturais desagradáveis, como desabamentos ou erosões – estas, comuns no litoral sul sergipano.

Regulamentação

As Áreas de Preservação Permanente (APP), como dunas, lagoas e praias, são protegidas por lei, por isso não podem ser suprimidas. De acordo com o Código Florestal,a supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, dunas e restingas, somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.

Mas, na prática, nem sempre essa lei é respeitada. Assim, na opinião de Daniela, é preciso um monitoramento. “Se você tem uma má gestão e não tem fiscalização, de um dia por outro cria-se um barraco. Então é essencial, além de fiscalizar, que a prefeitura tenha um especialista da área, para que ele prepare um plano de manejo e identifique o que é área de risco e o que não é”, sugere.

No caso das praias, a Resolução 303, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, diz que elas devem ser preservadas a uma faixa mínima de trezentos metros a partir da linha de preamar máxima (que é a maré mais alta). “Ao construir muito próximo ao mar, vai tirar toda a vida costeira que tem ali, matando a fauna e flora. Então é o impacto ecológico, cultural, econômico e físico”, comenta Daniela.

Para Rayane, é importante respeitar também as áreas que não são de preservação permanente, pois elas ajudam na dinâmica da proteção do que é a APP. “Uma superfície de deflação, por exemplo, não pode ser suprimida porque auxilia na formação das dunas, que se alimentam através dos ventos. Então, se construo nessa região, crio uma barreira para o vento, que pode fazer com que as dunas desapareçam por conta da construção que foi inserida no lugar errado”, aponta.

Em Sergipe, o Plano de Gerenciamento Costeiro de Sergipe, que está em curso, pretende definir um zoneamento com a delimitação das unidades costeiras de maior vulnerabilidade, dos espaços de maior resiliência, das atividades tradicionais, dos usos e costumes locais.


O Zoneamento ajuda a identificar quais sãos as funções de cada zona, sinalizando quais são de risco ou não (foto: Adilson Andrade)
O Zoneamento ajuda a identificar quais sãos as funções de cada zona, sinalizando quais são de risco ou não (foto: Adilson Andrade)

Propostas

Além da elaboração do Zoneamento da praia do Abaís, o trabalho de Rayane propõe algumas medidas para enfrentar as consequências da urbanização não planejada da área. Muitas das soluções devem passar, segundo a pesquisa, pela atualização do Plano Diretor do município de Estância, que é de 2010, considerado desatualizado.

Em relação à especulação imobiliária, existem instrumentos previstos no Estatuto da Cidade que podem ser incorporados pelo Plano Diretor. A cobrança progressiva do IPTU, por exemplo, pode ajudar a solucionar problemas de terrenos ociosos à espera de valorização.

Rayane sugere, entretanto, um equilíbrio entre o direito ao meio ambiente, o direito ao desenvolvimento e o direito social. Não é correto, na opinião dela, tirar as pessoas que estão lá, que já construíram e investiram. “Então, o que sugiro é que área que está preservada continue preservada e a área que está ocupada ali permaneça - lógico que diante de várias diretrizes. Nesse caso, é necessário, para qualquer tipo de ampliação ou reforma, uma licença ambiental, feita por pessoal capacitado”, propõe.

“É possível, cada vez mais, ter um crescimento econômico sustentável, mas só se ele ocorrer de forma planejada. As nossas praias, por exemplo, crescem sem planejamento e acaba prejudicando a dinâmica ambiental da zona costeira”, finaliza.

Para saber mais

A dissertação está disponível no Repositório Institucional da UFS, clicando aqui.

Fernanda Roza (bolsista)
Marcilio Costa
comunica@ufs.br


Atualizado em: Qua, 29 de maio de 2019, 17:45