Provavelmente você já deve ter ficado em dúvida sobre como descartar aquele aparelho eletroeletrônico que não lhe serve mais: celular, televisor, bateria. Em Aracaju, por exemplo, não existe uma política definida para a gestão desses resíduos, apesar de existir uma lei que obriga as cidades brasileiras a estabelecerem uma logística reversa para eles.
Foi pensando nisso que Izaclaudia Santana da Cruz, que atualmente é professora de Engenharia Ambiental do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), desenvolveu sua tese de doutorado em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Ela propõe um modelo de gestão que, ao invés de dar os aterros e lixões como destino final - e muitas vezes único - para os resíduos eletroeletrônicos (REEEs), pretende que eles sejam reinseridos no mercado, e então, reutilizados. É a esse modelo que se dá o nome de logística reversa.
Em 2010 foi aprovada a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (Lei n. 12305), que estabelece a obrigatoriedade da logística reversa para os REEEs. Izaclaudia explica que a regulamentação foi um incentivo para desenvolver a pesquisa. "Atualmente os resíduos constituem um dos principais problemas ambientais dos centros urbanos e dos parques industriais. Diante disso, o desafio de buscar soluções viáveis torna imprescindível o desenvolvimento de pesquisas científicas voltadas para esse tema", defende.
A professora complementa que tais iniciativas contribuem para que as universidades tragam inovações científicas que, de forma prática, possam colaborar para amenizar as problemáticas da sociedade e aperfeiçoar a experiência de seus alunos como pesquisadores.
Ainda segundo Izaclaudia, o próximo passo é elaborar neste semestre um documento contendo o plano proposto e entregá-lo na Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Sema) de Aracaju.
Qual a proposta da pesquisa?
Atualmente a maior parte dos resíduos eletroeletrônicos é descartada em lixos comuns ou abandonada em assistências técnicas mesmo havendo iniciativas isoladas por parte de recicladoras e através de pontos de coleta em alguns locais da cidade. Segundo a nova proposta, seria criada uma cadeia na qual todos os agentes que participam do ciclo de fabricação, venda consumo e descarte – no caso, fabricante, distribuidora, varejista, assistência técnica e recicladora – estejam interligados.
O consumidor teria a opção de deixar o produto em ecopontos - que podem estar localizados nas assistências técnicas - ou entrar em contato com recicladoras para que façam a coleta em sua própria residência ou estabelecimento comercial, a depender do volume de REEEs.
Como incentivo à devolução, o consumidor receberia um desconto na próxima compra ou acúmulo de pontos que poderiam ser trocados por uma nova mercadoria. O custo da logística ficaria dividido entre os agentes da cadeia que possuem responsabilidade sobre o destino correto do produto.
Ainda seria desenvolvido um software e um aplicativo para auxiliar o processo que ficaria sob a responsabilidade do poder público, através da Sema.
Importância social
Roberto Rodrigues de Souza é professor do Departamento de Engenharia Química e orientador da tese de Izaclaudia. Segundo ele, o modelo de gestão baseado na logística reversa é importante não só para a cidade, que verá seus resíduos tratados de maneira apropriada, mas para a universidade, que tem a chance de mostrar seu trabalho em prol da sociedade através de pesquisas desenvolvidas nos programas de mestrado e doutorado.
Roberto Rodrigues diz que ainda se pensa muito pouco em termos de reuso em Aracaju, pois muitas vezes o cidadão comum envia seu produto para a assistência técnica e deixa de buscá-lo, e então o produto é enviado para aterros ou lixões.
"A ideia é que o produto retorne e só em último caso seja destinado aos aterros sanitários. A proposta seria que Aracaju instalasse ecopontos, onde esses produtos seriam coletados, evitando que as pessoas descartem lixos eletroeletônicos aleatoriamente", explica.
O professor explica que apesar de existir uma política nacional para os REEEs, cada município deve ter sua estratégia a respeito do destino desses resíduos. Diz também que, junto ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prodema), pensa na criação de um fórum sobre resíduos sólidos para que essas questões sejam ainda mais debatidas.
"A intenção é que tanto os gestores de Aracaju quanto de outros lugares possam contribuir também com suas ideias e ao mesmo tempo criamos uma consciência ambiental, caso essas discussões cheguem às escolas", finaliza Roberto.
Secretaria Municipal de Meio Ambiente
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Aracaju (Sema) não possui uma política própria em relação aos resíduos eletroeletrônicos, afirma a analista ambiental da Sema, Carla Zoaid. Ela explica que o órgão segue o que é proposto pela Política Nacional de Resíduos Sólidos que determina os parâmetros para o estabelecimento de um sistema de gestão integrado e o gerenciamento ambientalmente adequado de resíduos sólidos.
Além disso, a lei também prevê a organização de mecanismos e procedimentos que garantam à sociedade informações e participação nos processos de formulação, implementação e avaliação das políticas públicas relacionadas aos resíduos sólidos.
Carla Zoaid conta que em Aracaju existem pontos de coleta em shoppings ou mesmo na própria secretaria, que tem parceria com a Eco TI Logística reversa de eletroeletrônicos, empresa especializada na gestão desses produtos. Além disso, segundo Zoaid, a secretaria possui ações de educação ambiental como palestras e a divulgação desses ecopontos.
Papel da sociedade
De acordo com Izaclaudia, o papel da sociedade é primordial em relação à gestão dos resíduos eletroeletrônicos, pois o plano de logística reversa só é possível quando o consumidor se propõe a destiná-los de maneira adequada.
"O que a sociedade pode fazer é contribuir com esse ciclo, buscando alternativas para destinar os REEEs em pontos de coleta específicos e nunca junto ao resíduo sólido comum", diz. Izaclaudia ainda lembra que em Aracaju existem pontos de coleta nos shoppings, na Secretaria de Meio Ambiente, em alguns outros órgãos públicos, universidades e em empresas de assistências técnicas.
Problemas causados pelos REEEs
Os transtornos causados pelo descarte inapropriado de resíduos eletroeletrônicos são graves. Produtos como baterias de celulares e laptops contêm cloreto de amônio, que se inalado acumula-se no organismo e pode provocar asfixia. Produtos como computador, monitor e televisão de tela plana contêm mercúrio em sua composição, podendo causar problemas de estômago, distúrbios renais e neurológicos.
Outro problema, segundo a pesquisa realizada por Izaclaudia Santana, é o tempo de vida dos resíduos. Em Aracaju, por exemplo, os materiais mais descartados (46%) pertencem à linha verde, como computadores, acessórios de informática, tablets, smartphones, telefones, condicionadores de ar, laptops e desktop. O tempo de vida desses equipamentos no meio ambiente pode variar de 2 a 5 anos.
Em segundo lugar (20%), estão resíduos das linhas marrom e verde como monitores, computadores, televisores, laptops, equipamentos de áudio, filmadoras e equipamentos de DVD, Blu-Ray e VHS. O tempo de vida de alguns produtos da linha marrom, após os descarte, pode variar de 5 a 13 anos.
Guilherme Almeida (bolsista)
Marcilio Costa
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